TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
174 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Através dele pretende a recorrente a apreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo 771.º do Código de Processo Civil, na parte em que este exclui o depoimento testemunhal como fundamento do recurso extraordinário de revisão. Entende a recorrente que tal norma viola o direito de acesso ao direito e à justiça, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição. Notificada para o efeito, a recorrente veio apresentar alegações, tendo concluído do seguinte modo: «A. O artigo 771.° do Código de Processo Civil ao não prever, ainda que excepcionalmente, e sob determinado condicionalismo, o depoimento testemunhal como fundamento do recurso de revisão, é inconstitucional, porque viola o Direito Fundamentai de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20.º, n.° 1, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa, e como tal deve ser declarado. B. A referida norma contida no artigo 20°, visa garantir o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, sendo esta garantida apenas quando é colocado ao alcance do cidadão o meio processual adequado à tutela jurisdicional efectiva do interesse ou do direito em causa. Esta norma não visa apenas garantir o apoio judiciário a quem tem carência de meios económicos. Visa antes disso garantir os instrumentos ou normas processuais com vista a que as situações tenham tutela jurídica efectiva, na prática. C. Articulando a citada norma do artigo 20.°, n.° 1, primeira parte, da CRP com o artigo 771.º do Código de Processo Penal, e mesmo respeitando o carácter excepcional do recurso de revisão, temos de convir que esta norma não se articula com o artigo 20.° da CRP, existindo uma lacuna entre ambas. D. Sendo certo que a prova testemunhal é um meio de prova que por si só fundamenta decisões judiciais, e fundamentou a decisão do 4.° Juízo Cível de Coimbra que se pretende objecto de revisão, é um contra senso que este mesmo tipo de prova não possa servir de fundamento à revisão de sentença, ainda que obe- decendo a certos e determinados condicionalismos, e a título excepcional. E. A prova testemunhal produzida por um “abaixo‑assinado” de dezenas de pessoas afigura-se ser um tipo de prova testemunhal que, atento o seu carácter excepcional, deveria constituir fundamento de revisão de sen- tença, uma vez que a revisão é feita sempre em obediência ao princípio do contraditório, dando a hipótese de a parte lesada com a revisão se defender e oferecer contra‑prova. F. O “Abaixo-assinado” ainda que classificado de prova testemunhal, goza do carácter decisivo no sentido de demonstrar que a causa deveria ter tido solução diferente, a decisão judicial em causa deveria ter sido diferente, em sentido oposto ao que foi. G. O documento é a corporização de uma declaração feita por uma ou várias pessoas, cuja idoneidade não deve ser considerada superior à de uma declaração verbal. H. Se no Direito em geral são admitidas todas as provas não proibidas por lei, é uma contradição dentro da mesma Ordem Jurídica, não ter a prova testemunhal como fundamento de recurso de revisão, visto que este existe para garantir a Justiça em detrimento da certeza e da segurança do Direito. I. O facto de a prova testemunhal não estar prevista no artigo 771.° do Código de Processo Civil é um paradoxo dentro da ordem jurídica, uma vez que a prova testemunhal goza da mesmas idoneidade, é uma prova admi- tida por lei, e um documento escrito mais não é do que a redução a escrito de uma declaração testemunhal. J. Sendo a ratio do recurso extraordinário de revisão servir o imperativo da justiça, então devem colocar-se ao serviço desse imperativo os instrumentos legais necessários e imprescindíveis à sua prossecução. A prova testemunhal é imprescindível à realização da Justiça. L. A prova testemunhal, ainda que dependente de certos condicionalismos deve ser incluída no artigo 771.° do Código de Processo Civil, à semelhança da prova documental, e eventualmente subordinada às mesmas condições desta, como fundamento do recurso de revisão, não apenas no interesse da recorrente, mas no interesse geral da sociedade, e por uma questão de coerência da própria Ordem Jurídica. M. O “Abaixo-assinado” traduzindo-se no testemunho conjunto de uma colectividade, ou de grande parte da colectividade, indicia claramente a injustiça da sentença, pelo que deve ser considerado o tipo de prova reconhecida como fundamento do recurso de revisão.
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