TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
168 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. A razão de ser perceptível ou inteligível do critério (“processos pendentes em tribunal”), que delimita as situações de sobrevigência da lei antiga – após a entrada em vigor da lei nova – só pode residir, como se disse no Acórdão n.º 153/10, na necessidade, sentida pelo legislador ordinário, de salvaguardar as expectati- vas das partes quanto à lei que seria aplicável no momento em que foi requerida a intervenção do tribunal, expectativas essas que terão porventura determinado estratégias processuais a seguir. Contudo, se esta razão vale para os processos de divórcio em sentido estrito, isto é, para aqueles proces- sos que tenham como objecto, apenas, a dissolução do vínculo conjugal e os seus termos – nomeadamente quanto à prestação de alimentos entre ex-cônjuges ou quanto ao destino da casa de morada de família –, já não vale para aqueles casos em que, como o presente, estejam em causa, não as relações dos cônjuges entre si, mas os termos da regulação das relações entre filhos e progenitores. E isto, por duas razões essenciais: Em primeiro lugar, porque dificilmente se poderá falar em “expectativas de partes” ou em “estratégias processuais a seguir” quando está em causa a regulação judicial do exercício das responsabilidades parentais ou, como se dizia na vigência da lei velha, a regulação judicial do exercício do poder paternal. Com uma ou outra denominação, a essência da figura não se alterou. O processo de regulação do exercício, seja ele do “poder”, seja ele da “responsabilidade” parental, tem apenas como objecto o interesse do menor. Trata- se, por isso, e como bem se sabe, de um processo que visa outra coisa que não solucionar ou compor um qualquer conflito de interesses disponíveis de partes. Nesta medida, falar a este propósito da necessidade de tutelar expectativas e estratégias processuais de partes enquanto razão bastante para diferenciar (entre aquelas situações que estarão submetidas ao regime do exercício do “poder” paternal e aquelas outras que estarão submetidas ao regime do exercício da “responsabilidade parental”) não faz qualquer sentido. Mas, se as coisas se passam assim no domínio dos processos – de regulação judicial do exercício destes poderes ou responsabilidades – tal só sucede porque a realidade substantiva a que esses mesmos processos se reportam pressupõe valorações de interesse público que vão muito para além de direitos subjectivos ou de interesses disponíveis de quem seja “parte” em processo de divórcio. A lei nova, como atrás se viu (cfr. supra , ponto 4) pretendeu fundamentalmente uniformizar o regime de exercício do antes chamado “poder paternal”. Esse exercício, agora reportado às responsabilidades paren- tais, deverá, em princípio, ser sempre conjunto, quer na constância do matrimónio ou em caso de divórcio, de dissolução da união de facto ou, como acontece na questão dos autos, em caso de progenitores que não sejam nem casados nem unidos de facto. Foi portanto deste modo, ou seja, “aplicando” o paradigma do “exercício conjunto” das responsabilidades parentais a todas as situações, que o legislador da lei nova veio dar concretização ao n.º 5 do artigo 36.º da CRP, que dispõe que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. Entendeu-se, portanto, que o dever fundamental de educação dos filhos, impendente sobre os pais e inscrito na norma constitucional, seria melhor cumprido através do novo paradigma de regulação – que pos- tula o exercício conjunto das responsabilidades parentais como princípio aplicável a todas as situações – do que através da solução antiga, que, quanto ao modo de exercício do poder paternal , estabelecia diferenças acentuadas entre as situações de constância do matrimónio (para as quais se previa o princípio do exercício conjunto), as situações de divórcio (para as quais, na inexistência de acordo, se “atribuía” judicialmente o poder paternal a apenas um dos progenitores) e as situações de inexistência quer de casamento quer de união de facto (para as quais valia a determinação legal de que o poder paternal fosse exercido pelo progenitor que tivesse a guarda do filho). Este entendimento do legislador, aliás claramente expresso na exposição de motivos constante do pro- jecto de lei apresentado ao Parlamento, vem reforçar a ideia segundo a qual a realidade substantiva de que aqui se trata, reportando-se ao modo de exercício de algo que, constitucionalmente, se configura como um dever fundamental, pressupõe valorações de interesse público que vão muito para além da tutela de direitos ou de expectativas de quem quer que venha a ser “parte” em processo pendente em tribunal. A alteração do conteúdo dos poderes – deveres dos pais em relação aos filhos, operada pela lei nova, é conduzida em função dos superiores interesses destes últimos (ou da representação que o legislador tem quanto à melhor tutela
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