TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

167 acórdão n.º 407/10 apenas o poder de criar direito novo e de revogar direito velho, mas ainda o poder de decidir como é que, em períodos de transição, se delimitam os âmbitos de aplicação das leis que se sucedem no tempo. Esta liberdade de conformação das normas de direito transitório, e da escolha dos critérios que delimi- tam entre si os âmbitos de aplicação temporal da lei velha e da lei nova, se bem que acentuada, conhece no entanto limites. Desde logo, os limites decorrentes do princípio do Estado de direito, e dos valores de segu- rança jurídica e de protecção da confiança que nele vão inscritos. Conforme tem sido enunciado em juris- prudência constante do Tribunal (e vejam-se, por último, os Acórdãos n. os 188/09 e 153/10, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) as disciplinas de direito transitório devem ser formuladas de modo a não lesar, sem fundamento bastante, as legítimas expectativas que os cidadãos tenham depositado na continuidade do Direito que, em certo tempo, ordenou a suas acções. Mas para além de estar submetido ao princípio da protecção da confiança, o direito transitório pode ainda estar subordinado, em certas circunstâncias, ao princípio da proibição do arbítrio , decorrente do n.º 1 do artigo 13.º da CRP. Isto mesmo se deixou logo claro no Acórdão n.º 34/86, atrás citado, onde se disse que “(…) o modo de fixação do tempo de aplicação de uma norma poder(á) brigar com o princípio da igualdade se houve[r] tratamentos desiguais para situações iguais e sincrónicas”. E isto mesmo se repetiu no Acórdão n.º 153/10, que, julgando norma homóloga à do presente caso (e não tendo decidido pelo juízo de inconstitucionalidade), concluiu que: «(…) o critério escolhido [para a aplicação da lei velha e da lei nova] terá que respeitar não só o princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, de modo a não violar direitos adquiridos ou frustrar expectativas legítimas, sem fundamento bastante, assim como também não poderá resultar na criação de desigualdades arbitrárias na aplicação da nova lei, após ela ter entrado em vigor.» E, quanto a este último limite, acrescentou-se ainda: «[...] Quando se diz que o princípio da igualdade não opera diacronicamente, apenas se abrange as desigual- dades resultantes de aplicação de diferentes regimes legais durante a sua respectiva vigência, mas já não quando, após a entrada em vigor duma lei, o legislador restringe a sua aplicação a determinadas situações, mantendo a aplicação da lei antiga, relativamente a outras sem que se vislumbre fundamento razoável para essa distinção.» 8.   No caso, como vimos, determina o artigo 9.º da Lei n.º 61/2008 a sobrevigência da lei velha quanto aos processos pendentes em tribunal. Quer isto dizer que, após a entrada em vigor da lei nova, será em princípio imediatamente aplicável o seu novo regime relativo ao divórcio e ao exercício das responsabilidades parentais, a menos que o caso a que ele se aplique se reporte a processo pendente em tribunal. Para esta situação – e só para ela – valerá o regime velho, onde ainda existia “divórcio litigioso” e “poder paternal”. Assim sendo, parece claro que a norma sob juízo, apesar de dizer respeito ao “modo de fixação do tempo de aplicação de uma norma”, pode gerar “tratamentos desiguais para situações iguais e sincrónicas”. Fixando- -nos agora, apenas, nas questões relevantes para o caso, é bem de ver que as situações iguais serão todas aquelas que se relacionem com o exercício das responsabilidades parentais, mormente por parte de progenitores que não sejam casados e que não vivam em condições análogas às dos cônjuges. O tratamento sincronicamente desigual a que podem estar sujeitas estas situações, naquele plano iguais, é o que resulta do critério pendência do processo em tribunal , dado que – como já se viu – é dele e só dele que depende a lei aplicável: se aquela que regulava, antes, o modo de exercício do “poder paternal”, ou se aquela que impõe, agora, o exercício em conjunto das responsabilidades parentais. Nestes termos, e sem que se deixe de sustentar que o princípio da igualdade nunca opera diacronica- mente, haverá aqui que averiguar se este tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas se funda- menta em algum critério que seja perceptível, razoável ou inteligível.

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