TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
166 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL paternal fosse exercido pelo progenitor que tivesse a guarda do filho, e se presumia juris tantum – justamente nos casos em que a filiação se encontrasse estabelecida relativamente a ambos os pais e estes não tivessem contraído matrimónio após o nascimento do menor ou convivessem maritalmente – que era a mãe que tinha a guarda do filho (artigo 1911.º do Código, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 496/77), impõe-se agora, como regime regra e de acordo com os fundamentos atrás expostos, o exercício conjunto das responsabilidades parentais. A Lei n.º 61/2008 entrou em vigor a 30 de Novembro, de acordo com o disposto no seu artigo 10.º No entanto, determinou o artigo 9.º que o seu regime se não aplicasse aos processos pendentes em tribunal. 6. Como já se viu, no presente caso iniciara o Ministério Público, ainda antes da entrada em vigor da lei nova, o processo de regulação do exercício do poder paternal do menor A., já que os seus progenitores – que não eram casados nem viviam em condições análogas às dos cônjuges – não tinham, quanto àquele exercício, chegado a qualquer acordo. Em conformidade com a norma de direito transitório fixada pelo artigo 9.º da Lei n.º 61/2008 “[ (o) presente regime não se aplica aos processos pendentes em tribunal]”, deveria ter sido ao caso aplicado o re- gime da lei velha, ou seja, o constante do artigo 1911.º do Código Civil, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 496/77. A tal se recusou, porém o juiz da causa, que ao invés, aplicou imediatamente o regime da lei nova, ou seja, o constante das disposições conjugadas dos artigos 1912.º e 1906.º da Lei n.º 61/2008. Fê-lo por ter entendido que era inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Cons tituição da República Portuguesa (CRP), a norma de direito transitório fixada pelo artigo 9.º da Lei de 2008. É esta, pois, a questão de constitucionalidade que o Tribunal deve agora resolver. 7. A norma contida no artigo 9.º da Lei n.º 61/2008 é uma norma de direito transitório, que pe- rante a sucessão, no tempo, da lei nova face à lei velha, delimita o âmbito de aplicação temporal de cada uma. Mais especificamente, determina o artigo 9.º que, mesmo após a entrada em vigor da lei nova (a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro) se continue a aplicar, em certas situações, o regime constante da lei velha (fundamentalmente, o decorrente do Decreto-Lei n.º 496/77). As situações em que se impõe a sobrevigência do regime velho são, como já vimos, as dos processos pendentes em tribunal. O regime de transição que assim se estabelece é um regime especial, que pretendeu afastar a aplicação do regime geral constante do disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil. Com efeito, se não existisse, na lei do divórcio, a “norma transitória” do artigo 9.º, a impor a sobrevigência do regime velho para os processos pendentes em tribu- nal, valeria – pelo menos quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais – o princípio da aplicação imediata da lei nova, que vinha dispor directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas abstraindo do facto que lhes deram origem (assim, J. Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Coimbra, 1968, p. 144) De acordo com a decisão recorrida, a sobrevigência, assim legalmente imposta, do regime velho lesa o princípio da igualdade contido no artigo 13.º da Constituição. Contudo, tem o Tribunal afirmado, em jurisprudência reiterada, que o princípio da igualdade não opera diacronicamente, pelo que não será em geral aplicável a fenómenos de sucessão de leis no tempo o disposto no artigo 13.º da CRP. Esta orientação jurisprudencial – afirmada e seguida, entre outros, pelos Acórdãos n. os 34/86 (em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 7.º Vol., p. 42); 43/88 ( ibidem, 11.º Vol., p. 565); 309/93 ( ibidem, 24.º Vol., p. 185) – abrange, também, as próprias normas de direito transitório, já que o princípio que a funda valerá, tanto para o fenómeno geral da sucessão de leis no tempo, quanto para a condição espe cial daquelas normas que tenham por função específica disciplinar o modo pelo qual se opera a referida sucessão. Como o “poder” de alterar as leis vigentes – e de com isso introduzir diferenças de tratamento entre as pessoas decorrentes da revogação de regimes velhos e da aprovação de regimes novos – é um “poder ” inerente à liberdade do legislador do Estado de direito, que, no cumprimento do seu mandato democrático, detém legitimidade constitucional bastante para avaliar as razões de política legislativa que o induzam à modificação da ordem jurídica existente, a competência do legislador para a livre conformação incluirá, não
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