TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
164 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em nosso entender, tal disposição transitória, com tal alcance, atenta contra o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa), na medida em que progenitores colocados na mesma situação de facto terão poderes-deveres diversos no que respeita as ora denominadas responsabilidades parentais, tão-só por causa do momento em que foi proposta a acção para tal regulação. Afigura-se-nos deste modo que aquela norma transitória enferma de inconstitucionalidade material e deve por isso ser desaplicada (artigos 13.º, 204.º e 277.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa). Assim, desaplicando-se pelos referidos fundamentos o artigo 9.º da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, aplicar‑se‑á ao caso dos autos a nova lei. (…)» 3. Desta decisão interpôs recurso o Ministério Público, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, “porquanto o Senhor Juiz, na douta sentença de 6 de Fevereiro de 2009, recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade material, do artigo 9.º da Lei n.º 61/2008 (…) por entender que esta norma transitória introduz um tratamento discriminatório, desigual e injustificado dos progenitores, no que concerne aos poderes-deveres das ora denominadas responsabilidades parentais.” Admitido o recurso no Tribunal, nele apresentou o recorrente as suas alegações, pugnando pela pro- cedência do recurso e sustentando que, no caso, se não lesara o princípio constitucional da igualdade. II – Fundamentação Delimitação do objecto 4. Sintetizemos o que acaba de ser relatado. Em 29 de Outubro de 2008 foi instaurada acção de regulação do exercício do poder paternal relativa- mente ao menor A. Na pendência dessa acção, a 30 de Novembro de 2008, entrou em vigor a Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, que alterou o regime jurídico do divórcio e introduziu uma nova figura, denominada exercício das responsabilidades parentais . O artigo 9.º desse diploma consagrou a seguinte norma de direito transitório: «O presente regime não se aplica aos processos pendentes em tribunal.» No caso, estava em questão a regulação do modo de exercício das responsabilidades parentais nas situa- ções previstas pelo artigo 1912.º do Código Civil, nas quais, encontrando-se estabelecida a filiação relativa- mente a ambos os progenitores, não vivam estes em condições análogas às dos cônjuges. De acordo com a actual redacção do referido artigo, introduzida pela Lei n.º 61/2008, a essas situações deve ainda aplicar-se o regime comum relativo ao exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente – para o que ao caso interessa – o agora previsto no artigo 1906.º do Código (exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento). Entendeu o tribunal a quo que era inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, a norma de direito transitório fixada no atrás transcrito artigo 9.º, por impedir, nas situações acabadas de referir , a aplicação imediata do novo regime [de exercício das responsabilidades parentais] a processos pendentes em tribunal. Assim, e atenta a natureza instrumental dos recursos em fiscalização concreta, é com esta dimensão que o Tribunal deve conhecer da questão que lhe foi posta: é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, a norma contida no artigo 9.º da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, na parte em que impede a
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