TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
154 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Em busca do acto administrativo perdido , 1996, pp. 426 e segs.) outros falam apenas de um princípio de par- ticipação enquanto injunção legiferante (por exemplo, Mário Aroso de Almeida, “Os direitos fundamentais dos administrados após a Revisão Constitucional de 1989”, in Direito e Justiça , volume VI, 1992, pp. 293 e 303; Pedro Machete, A audiência dos interessados no procedimento administrativo , Universidade Católica Editora, 1995, pp. 511 e segs.). A qualificação da figura não se afigura, no entanto, essencial à resolução da questão que agora se nos apresenta. Com efeito, o que importa é aferir se da Constituição decorre a necessidade de garantir, em qualquer procedimento administrativo, que todo o administrado deve ser notificado do projecto de decisão acompanhado do convite para se pronunciar ou, dito de outro modo, o dever de o legislador consagrar o direito de audiência prévia relativamente a qualquer decisão administrativa. Não se trata, é certo, de alter- nativas perfeitamente equivalentes. Com efeito, embora relacionados, o direito de audiência prévia não se confunde com o princípio ou direito de participação tal como decorre do artigo 267.º, n.º 5, da Consti- tuição. Esta é, no entanto, a conclusão a que pretende chegar a recorrente sob a invocação do parâmetro constitucional da participação dos administrados. De facto, a recorrente sustenta a intenção do legislador constitucional em assegurar que o administrado seja ouvido pela Administração quando exista projecto de decisão , podendo, por essa via, exercer o contraditório em caso de discordância. 11. É de assinalar que ao legislador na conformação do “direito” de participação: «não pode ser deixado passar em claro que, conquanto a Constituição, no já referido n.º 5 do artigo 267.º, imponha que o processa- mento da actividade administrativa haverá de garantir a participação dos cidadãos na formação das decisões que lhe disserem respeito, a concretização desse ‘direito’ é relegada para a lei.» Com efeito, a Constituição encarregou o legislador de (através de “lei especial”), assegurar a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito . No que se refere à actividade da Administração em geral, tal normação especial consta do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que estabelece, no artigo 100.º que «concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.» Em determinadas situações, no entanto, pode ser dispensada a audiência dos interessados, como prevê o artigo 103.º, n.º 2: são os casos em que estes já se pronunciaram no procedimento sobre as questões que importam à decisão e sobre as provas produzidas, e em que os elementos constantes do procedimento conduzem a uma decisão favorável aos interessados. Constata-se que no procedimento administrativo não se estabelece a regra absoluta de audição do admi- nistrado prévia à decisão final (e acompanhada do projecto de decisão). Compreende-se que assim seja. Com efeito, da garantia de participação constante do artigo 267.º, n.º 5, da Constituição não resulta o conteúdo normativo que é sustentado pela recorrente. A participação no processo decisório pode assumir diversas formas, cabendo ao legislador ordinário, no âmbito da margem de conformação que lhe cabe, e observado o dever constitucional de garantir a participação do administrado, regulá-las e concretizá-las. Note-se que esta concretização legislativa não pode ir ao ponto de esvaziar de sentido útil a imposição constitucional. Como salienta Freitas do Amaral, referindo-se ao papel determinante do legislador nesta área, “ a própria Constitui ção, no artigo 267.º, n.º 4 [actual n.º 5], é clara ao dizer que caberá a uma lei especial assegurar – assegurar, e não apenas regulamentar – a participação dos cidadãos (...).”. (“Direitos fundamentais dos administrados”, in Nos dez anos da Constituição , Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1986, p. 17). Mas garantir a par- ticipação dos administrados não significa convidá-los, em todo e qualquer procedimento, a pronunciarem-se sobre o projecto de decisão administrativa, através da audiência prévia. Significa sim que ao administrado é concedida a oportunidade de intervir no procedimento, assistindo a essa participação a capacidade de influenciar aquela que virá a ser a decisão ou deliberação final.
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