TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
123 acórdão n.º 352/10 tarifas ou perda de qualidade do serviço os custos decorrentes das suas deficiências de gestão ou funciona- mento. Essa possibilidade de repercussão ou de dispersão do resultado desfavorável de uma medida deste género pelo universo dos consumidores é, em último termo, questão de êxito das políticas assumidas de defesa dos utentes que extravaza o controlo de constitucionalidade. Aliás, todas as medidas de protecção aos consumi- dores ou a uma categoria de utentes projectam consequências nas condições gerais de prestação do serviço, com grande incerteza quanto aos resultados económicos e sociais. O princípio democrático exige que o legislador disponha de larguíssima margem de apreciação na escolha dessas políticas públicas no domínio económico e social. 10. Sustenta, seguidamente, a recorrente que, circunscrita à “alta tensão”, no estrito sentido técnico (tensão com valor compreendido entre 45 kV e 110 kV), a norma constante do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96 – no presente recurso só interessa a dimensão normativa respeitante à caducidade –, enferma de inconstitucionalidade, por tratar desigualmente os fornecimentos em “alta e em média tensão”, quando é certo que a situação dos utentes de uma e outra categoria coincide nos aspectos básicos que podem importar para a adopção desse regime jurídico. Na apreciação desta questão deve começar por se ter presente que, no regime dos serviços públicos es- senciais, a regra consiste em submissão do credor a prazos especialmente curtos de prescrição e caducidade. Para todos os serviços abrangidos pelo diploma (e não apenas para o fornecimento de energia eléctrica) e para todos os utentes (e não apenas para os consumidores domésticos ou os meros consumidores finais), são afastados os prazos gerais de prescrição ou caducidade de créditos. Privilegiando o interesse da segurança jurídica, o legislador entendeu que o utente (todos os utentes) deveria ficar a coberto de inopinadas despesas extraordinárias, resultante da correcção retrospectiva de um erro que lhe não seja imputável. Daí a fixação de um prazo especialmente curto para o exercício desse direito de crédito, por forma que o montante em dívida não exceda limites suportáveis e a situação de incerteza se não prolongue, com a consequente dificuldade de correspondência entre a estrutura de custos e a formação dos preços. Passados esses prazos, é risco da empresa fornecedora e não do utente arcar com os prejuízos decorrentes de erros de facturação. Esta é a regra, que a todos os utentes iguala na posição perante o prestador de serviços públicos essen- ciais e da qual o legislador só exceptuou o fornecimento de energia eléctrica em “alta tensão”. Esta categoria de utentes foi considerada não carecida dessa especial protecção ou, pelo menos, foi o legislador sensível, na procura do equilíbrio entre os interesses do prestador e os dessa categoria de utentes, a que não se justi- ficava privar o fornecedor da faculdade de corrigir a facturação e receber o preço da energia efectivamente consumida. Distinguiu-se o utente de energia eléctrica em “alta tensão”, mas para lhe dar um tratamento de desfavor relativamente ao universo dos utentes de serviços públicos essenciais. Será constitucionalmente imposto igualar o utente que recebe a energia eléctrica em “média tensão” neste tratamento mais desfavorável que o legislador deu aos de “alta tensão”? 11. Como o Tribunal tem repetido (cfr., por todos, Acórdão n.º 232/03, i n www.tribunalconstitucional.pt ) o princípio da igualdade, princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucio- nal global, postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais. O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de con- formação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, “razoável, racional e objectivamente fundadas”, sob pena de, assim não sucedendo, “estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente rele vantes”. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada.
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