TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

121 acórdão n.º 352/10 energia. Para o legislador este grupo de utentes – os utentes em “alta” na definição que o Supremo adoptou – não necessita de ser protegido por prazos mais curtos do que os prazos gerais de caducidade e prescrição. Sustenta a recorrente que também os utentes do serviço de fornecimento de energia eléctrica em “média tensão” devem ser incluídos nesta categoria de utentes não carecidos de protecção especial. Na sua pers­ pectiva, não há razão para distinguir, ou melhor, a mesma razão que levou o legislador a proteger menos intensamente os utentes com ligação em “alta tensão” vale para afastar o regime especial do diploma quanto aos utentes em “média tensão”. De outro modo, beneficiando estes da protecção regra – na hipótese, o prazo de 6 meses de caducidade do direito do fornecedor proceder a correcções de erros de facturação –, violar-se-á o princípio da proporcionalidade por excesso de protecção, uma vez que não se verificam quanto a eles as razões materiais que justificam esse regime. A sua estrutura organizativa e patrimonial permitir-lhes-ia lidar com as consequências do diferimento no tempo das correcções devidas a erro de facturação, nos mesmos ter- mos que os utentes da “alta tensão”. Atribuir-lhes a mesma protecção conferida aos consumidores em “baixa tensão”, estender-lhes a defesa justificadamente conferida aos clientes domésticos e aos consumidores finais, equivale a ofender o princípio da proporcionalidade por excesso de protecção. É certo que o princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional estruturante da República Portuguesa como Estado de direito (artigo 2.º da CRP), a cuja observância os actos do poder público estão sujeitos de modo mais abrangente do que o que se manifesta nos lugares habitualmente recenseados como seus afloramentos explícitos no texto constitucional (por exemplo: artigo 18.º, n.º 2; artigo 19.º, n. os 4 e 8; artigo 28.º, n.º 1; artigo 30.º, n.º 5; artigo 65.º, n.º 4; artigo 272.º, n.º 2; artigo 266.º, n.º 2). Porém, o seu domínio mais frequente de operatividade, como parâmetro de controlo de actos do poder normativo público, é o das medidas lesivas, restritivas ou ablativas de direitos ou, de qualquer modo, imposi- tivas de encargos ou de sacrifício de posições jurídicas de quem a elas é sujeito. Assim, embora seja abstractamente concebível a infracção à proporcionalidade por “excesso de pro- tecção”, dificilmente esse excesso pode fundar a se um juízo de inconstitucionalidade por parte dos tribunais, formulado esse juízo de modo absoluto, i. e. , avaliado o excesso em si mesmo, com referente exclusivo no conteúdo de protecção conferido a determinada posição jurídica, sem fazer intervir a perspectiva do sacrifício de um direito de outro sujeito ou da consequente desprotecção de outra posição jurídica. Na verdade, quando o Estado concede a uma certa categoria de pessoas ou de situações uma protecção descabida, que se traduza num privilégio injustificado relativamente a outra ou outras categorias, o excesso converte-se, afinal, em violação do princípio da igualdade e só segundo esse parâmetro e na medida em que ele o consinta pode ser escrutinado. Ainda que analiticamente mediado pelas três máximas ou subprincípios em que a proporcionalidade se desdobra – princípio da adequação (as medidas restritivas devem revelar-se como um meio abstractamente idóneo para atingir o fim visado), princípio da necessidade ou da exigibili- dade (essas medidas tem de ser exigidas para alcançar o fim em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo fim) e princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas para alcançar os fins pretendidos) –, metódica que fornece objectividade à apreciação jurisdicional, a formulação de um juízo de desproporcionalidade por excesso de protecção, um juízo de violação da proibição do excesso efectuado de modo absoluto sobre a me- dida que beneficia uma categoria ou uma situação sem o referente do outro interesse ou situação sacrificada dificilmente deixará de consistir numa invasão do espaço de discricionariedade legislativa. Efectivamente, ao legislador cabe escolher, dentro do quadro constitucional (salvo, obviamente, quando da Constituição decorra a prossecução obrigatória de determinados fins) os objectivos a prosseguir e o modo de prossegui-los, designadamente nos domínios das políticas económicas e sociais. Por outro lado, a determi- nação da relação entre uma medida ou as suas alternativas e o grau de consecução de um determinado objec­ tivo envolve, geralmente, avaliações e prognoses complexas no plano empírico (social e económico). Ora, como se disse no Acórdão n.º 200/01, não pode deixar de reconhecer‑se ao legislador, legitimado para tomar as medidas em questão e determinar as suas finalidades, uma “prerrogativa de avaliação” na apreciação, por vezes difícil e complexa, das relações entre o estado que é criado através de determinada medida e aquele que

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