TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

119 acórdão n.º 352/10 Todavia, não pode concluir-se daqui que a questão se resume à subsumpção numa ou noutra das refe- ridas normas, com o sentido de que, tendo-se optado por aplicar uma se exclui a aplicação da outra. O tribunal a quo não se limitou a apreciar se a situação se compreendia no âmbito da norma que prevê a regra (a caducidade) ou na norma que prevê a excepção. Determinou o campo de aplicação da regra mediante o recorte da excepção. Mas foi sobre a norma que define a excepção que principalmente incidiu a controvérsia das partes e foi ela o nó problemático da decisão. Efectivamente, foi em consequência do sentido a que chegou quanto a esta (ou da extensão que lhe deu) que o Supremo concluiu pela submissão da situação à regra geral da caducidade estabelecida pelo diploma. Perante o Supremo Tribunal discutia‑se se a valoração efectuada pelo legislador, da qual decorre que a regra de caducidade a favor dos consumidores cesse perante certo tipo de consumos referidos na norma que es- tabelece a excepção, se estende ao fornecimento em “média tensão”. Foi disso que o Supremo centralmente se ocupou, tendo, inclusivamente, apreciado a questão de constitucionalidade do sentido da norma assim interpretada. Para o acórdão, «[estava] em causa a diferença entre o preço facturado e pago, e o valor efectivo da aplicação dos n. os 2 e 3 do artigo 10.º, mais especificamente no n.º 3, uma vez que o que importa saber é se, no caso, o fornecimento de energia eléctrica foi ou não em “alta tensão”» (p. 12 do acórdão). E, depois de examinar o conceito operante de “alta tensão” e “média tensão”, concluiu que “o prazo de caducidade previs- to no n.º 2 do artigo não está abrangido pela excepção do seu n.º 3, a qual se aplica apenas ao fornecimento de energia em “alta tensão” (e, por maioria de razão) à “muito alta tensão”) e, como vem sendo decidido, a caducidade prevista no n.º 2 do artigo 10.º operou o efeito extintivo sobre o direito accionado pela autora/ recorrente” (p. 13 do acórdão). Neste contexto, tem de reconhecer-se que a norma do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, interpretada no sentido de que o fornecimento de energia eléctrica em “média tensão” não é exceptuado à regra de ca- ducidade do direito de recebimento da diferença de preço no prazo de 6 meses, integra a ratio decidendi do acórdão recorrido Consequentemente, improcede a questão prévia de não conhecimento do objecto do recurso suscitada pela recorrida. 5. Ao Tribunal Constitucional não cabe apreciar ou corrigir a interpretação e aplicação do direito or- dinário efectuada pelo tribunal a quo. Não é da sua competência determinar se as normas de direito ordinário que os tribunais da causa elegeram eram as pertinentes para a resolução judicial do conflito, se a interpreta- ção adoptada é a exacta ou mais acertada, ou se a matéria de facto apurada é suficiente para a resolução das questões colocadas. Compete-lhe, somente, julgar a constitucionalidade (ou, se for o caso, a ilegalidade por violação de lei de valor reforçado) da norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação com fundamento em inconstitucionalidade (artigo 79.º-C da LTC). Consequentemente, é manifestamente estranha aos poderes do Tribunal, em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, a pretensão da recorrente de que se mande baixar o processo a fim de apurar factos que a recorrente considera controvertidos e necessários para correcta decisão do aspecto jurídico da causa, designadamente no que respeita à qualificação do fornecimento de energia eléctrica em causa como “alta tensão” ou “média tensão” (conclusões 15 a 24). Indefere-se, pois, essa pretensão, passando-se ao conhecimento do objecto do recurso. 6. Considerando o modo como a recorrente definiu o objecto do recurso, não está em causa, em si mesma, a norma que estabelece um prazo curto (seis meses após o pagamento da importância facturada) de caducidade do direito do prestador do serviço a receber a diferença de preço, em caso de erro de facturação que lhe seja imputável. Apenas se pede a apreciação da norma do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96 (actual n.º 5 do mesmo artigo 10.º) na interpretação de que não abrange – portanto, que não exceptua da protecção concedida aos utentes pelo n.º 2 do mesmo artigo 10.º – o fornecimento de energia eléctrica em “média tensão”.

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