TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

116 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A. S.A. propôs contra B., Lda. e C., Lda., uma acção de condenação no pagamento de determinada quantia a título de valor de energia eléctrica fornecida em “média tensão” que, por erro, não fora facturada oportunamente. A acção foi julgada improcedente, por caducidade, nos termos do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho. A sentença foi sucessivamente confirmada pelo Tribunal da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça, este por acórdão de 3 de Novembro de 2009. 2. A autora interpôs recurso deste acórdão, ao abrigo da alínea b ) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), visando a apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 3 do artigo 10.º da Lei n.º 23/96, quando interpretada no sentido de que apenas o fornecimento em “alta tensão” (e por interpretação extensiva, em “muito alta tensão”) se encontra excluído do âmbito das medidas de pro- tecção do consumidor instituídas pelo citado artigo 10.º Prosseguindo o recurso, a recorrente alegou e concluiu nos seguintes termos: «(…) 1. A decisão proferida pelo STJ está ferida de inconstitucionalidade. 2. A decisão recorrida decide pela caducidade do direito da A. dado que entende que o n.º 3 do art.º 10.º da Lei n.º 23/96 não inclui os fornecimentos em média tensão. 3. Trata-se duma interpretação inconstitucional da referida norma. 4. O preceito assim interpretado deve considerar-se inconstitucional por desconforme com os princípios da proporcionalidade e da igualdade consignados na Constituição. 5. Admitir que as regras sobre prescrição e caducidade do pagamento de energia da Lei n.º 23/96 possam estender-se aos consumidores de média tensão, admitir que eles não se achem compreendidos no n.º 3 do art.º 10.º, equivale a atribuir-lhes um excesso de protecção em confronto com a protecção conferida aos consumidores em baixa tensão, aos clientes domésticos e aos consumidores finais. 6. Equivale a infringir o princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes de adequação, necessidade e racionalidade. E, como logo resulta, tal implica outrossim ofender o princípio da igualdade. 7. De resto pode ver-se o problema do prisma da lesão, porquanto o excesso da protecção dado a uns consumi- dores – os da média tensão, na hipótese de não estarem abrangidos pela ressalva do art.º 10.º, n.º 3 – redunda indirectamente em prejuízo dos consumidores de baixa tensão. 8. Com efeito, as vantagens de carácter financeiro, que àqueles são conferidas no domínio da prescrição e da caducidade do pagamento acabam por diminuir a capacidade do prestador de serviço de fornecimento de energia eléctrica para o prestar com a máxima qualidade como exige a lei. 9. Circunscrita à alta tensão, no estrito sentido técnico do termo, a ressalva da prescrição e da caducidade constante do art.º 10.º, n.º 3, da Lei n.º 23/96 padece de inconstitucionalidade, por tratar desigualmente a alta e a média tensão (e, sem se esquecer a muito alta tensão), quando é certo que coincidem, como atrás se patenteou ad abundantiam , nos aspectos básicos que importam para a aplicação do regime jurídico. 10. Significa isto então que os tribunais, em obediência ao art.º 204.º da Constituição, julgando inconstitucio- nal o preceito com essa interpretação, não deve mais fazer do que deixar de a aplicar? 11. Não pode ser. Seria, de todo em todo, contraditório com o objectivo precípuo do legislador e com a coerên- cia do princípio: os consumidores em alta tensão acabariam por também beneficiar da prescrição e da caducidade do pagamento do preço do serviço ao fim de seis meses.

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