TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
104 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL no actual quadro fiscal, sobre o rendimento anual dos agregados familiares. Enquanto as taxas podem ser diferentes em diferentes períodos do ano (pois como se verificou os factos tributários são autonomizáveis), os escalões de imposto, pelo contrário, são, por força da lei, necessariamente referidos a todo o ano. Referem-se necessariamente ao rendimento globalmente obtido nesse ano. Neste domínio específico faz sentido falar de anualidade: não de anualidade da totalidade dos aspectos do imposto, mas apenas da anualidade específica dos escalões de imposto − recorde-se, com Tipke (“La Retroactività nel Diritto Tributario”, in Tratatto di Diritto Tributario , dirig. por Andrea Amatucci, vol. I, Pádua 1994, p. 442), que a regra da anualidade tem um alcance delimitado e não geral. Especificamente em matéria de escalões não é todavia possível dividir o ano, dado que eles são relativos ao rendimento colectável anual englobado. Deste modo, as alterações relati- vas aos escalões terão, num quadro legal como o actualmente existente, de vigorar para todo o ano. Importa contudo verificar, como fizemos atrás a propósito do aumento das taxas, se a retroactividade inautêntica consubstanciada na aplicação do novo escalão a todo o ano de 2010 será constitucionalmente tolerável nos termos dos testes inicialmente avançados. A criação do novo escalão, prevista no Plano de Estabilidade e Crescimento, insere-se num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental, só a sua aplicação ao ano presente permitindo obter com a necessária celeridade a receita fiscal que o legislador pretende com esta específica medida. Devemos ter presente que, confrontado com o carácter meramente simbólico da medida, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais defendeu no Parlamento esse mesmo carácter simbólico, mas acrescentando que “esse simbolismo (…) é algo mais do que poesia; é o simbolismo por detrás da Constituição da República Portuguesa e de todo o Estado social português”. Afirmou então: “Não julgamos que se trate apenas de uma medida simbólica; trata-se de uma medida com efeitos, também significativos, sobre a receita, e a receita que esperamos arrecadar com a taxa é, efectivamente de 30 milhões” ( Diário da Assembleia da República , I Série, n.º 55/XI, de 8 de Maio de 2010). A lei tem portanto, como finalidade, a prossecução de um legítimo e premente interesse de obtenção de receita fiscal para fins de equilíbrio das contas públicas, nos exactos termos do primeiro teste acima definido. Teremos, então, de verificar se haveria alternativas não retroactivas viáveis do tipo das adoptadas pela nova lei. Não seria, evidentemente, o caso de se aumentar mais as taxas dos outros escalões, pois essa seria já uma medida de outra natureza ou de outro tipo. Por seu turno, a possibilidade de se estabelecer uma tribu- tação adicional sobre os rendimentos colectáveis de maior volume, nos quadros do IRS, também não é uma alternativa: é precisamente o que o legislador fez ao criar o novo escalão de imposto, com a Lei n.º 11/2010. Não havendo alternativas não retroactivas dentro do mesmo tipo de medida fiscal, resta, então (e dife- rentemente do que se passou com a norma da Lei n.º 12-A/2010 acima analisada em que a existência de medidas alternativas não retroactivas tornava inútil a prossecução da análise), fazer ainda o terceiro teste que acima formulámos, para as hipóteses de retroactividade imprópria, e que acresce aos restantes: o teste decor- rente dos princípios da proporcionalidade e da protecção da confiança. Não é possível afirmar que esta medida fosse algo que os contribuintes por ela afectados não pudessem esperar, tendo em vista o anúncio reiterado, feito nomeadamente através de membros do Governo, da ne- cessidade de medidas conjuntas de combate ao défice orçamental e aos custos da dívida pública acumulada. Como se esclarece nos Acórdãos n. os 128/09 e 85/10, “a afectação de expectativas, em sentido desfa- vorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar”. Ora não é o que, no caso, sucedia. No que respeita ao ónus que é imposto ao contribuinte, devemos começar por dizer que o novo escalão (que é um valor de rendimento a partir do qual se deverá aplicar uma taxa superior) tem também as- sociado a si uma determinada taxa. Essa taxa era de 42% de acordo com o Orçamento do Estado para 2010 e subiu para 45%, com a Lei n.º 11/2010. Ora, na lógica da progressividade do IRS, essa taxa apenas se aplica aos rendimentos brutos que excedam os 150 000 euros. Ou seja, supondo que um contribuinte tem 200 000 euros de rendimento, essa nova taxa não se aplica a todos os seus rendimentos, mas apenas aos 50 000 euros
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