TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
103 acórdão n.º 399/10 4. Se se não contesta que as providências legislativas em questão possam prosseguir um legítimo e premente interesse de obtenção da receita fiscal para fins de combate ao défice orçamental e de equilíbrio das contas públicas, já não cremos porém que a medida aprovada pela Lei n.º 12-A/2010 passe o teste da neces- sidade, resultante da inexistência de medidas não retroactivas viáveis de idêntica natureza. Na verdade, a norma contida nos artigos 1.º e 20.º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2010, que só entrou em vigor 1 de Julho, agravou as taxas de IRS para todo o ano de 2010, assumindo pois tal agravamento natureza retroactiva. A receita fiscal assim obtida (e resultante de um aumento de 0,58 e 0,88 nas taxas de imposto aplicáveis aos diversos escalões do IRS) poderia no entanto ser obtida de forma não retroactiva, com a ele vação das respectivas taxas em 1% e 1,5% apenas a partir da entrada em vigor da lei, e isto porque, como decorre também do acórdão, o referido aumento de 0,58 e 0,88 nas taxas aprovadas mais não pretende ser do que uma fracção de um aumento de taxas de 1% e 1,5% dispersas por todo o ano, incluindo pois os rendimentos recebidos antes da entrada em vigor da Lei. A adopção de tal medida não retroactiva suporia a divisão do ano fiscal em dois períodos aplicando-se as novas taxas apenas no período subsequente à entrada em vigor da nova lei. Tal permitiria aplicar as novas taxas de forma não retroactiva, isto é, apenas aos rendimentos recebidos após a sua entrada em vigor. Sendo o rendimento um facto complexo de formação sucessiva, a sua modificação pelo elemento temporal corres- pondente ao período de imposto não tem a força bastante para destruir o carácter complexo e continuativo do facto e a sua consequente possibilidade de fragmentação real. A natureza do rendimento como facto continuativo legitima a sua divisão pro rata temporis , entendendo como factos verificados ao abrigo da lei antiga os rendimentos gerados desde o início do período de imposto até à data de entrada em vigor da nova lei; e, simultaneamente, como factos verificados ao abrigo da lei nova os rendimentos gerados a partir da sua entrada em vigor (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal , Lisboa, 1974, p. 201). Esta solução fiscal é aliás objecto de expressa consagração legal no nosso ordenamento jurídico, a propósito da aplicação no tempo da lei fiscal, ao menos a partir de 1998, precisamente no n.º 2 do artigo 12.º da Lei Geral Tributária (Lei n.º 14/98) que, ao dispor que “se o facto tributário for de formação suces- siva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor”, parece consagrar a aludida posição de Alberto Xavier (expressamente neste sentido veja-se a Lei Geral Tributária comentada e anotada, 3.ª edição, Lisboa, 2003, Vislis Editores, de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, a pp. 82-84). A expressa consagração legal deste critério aplicativo não permite assim que as suas consequências sejam dadas por impraticáveis e impensáveis, contrariamente ao que faz o Acórdão, a partir de afirmações produzidas no debate parlamentar que precedeu a aprovação das medidas a que nos reportamos. Assim, existindo alternativas não retroactivas à norma sob sindicância (que, repete-se, prescreve a apli- cação das novas taxas agravadas de IRS instituídas pela Lei n.º 12-A/2010, entrada em vigor a 1 de Julho, aos factos tributários ocorridos antes do início da sua vigência) tal norma é para nós inconstitucional por violação do princípio da irretroactividade fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. 5. O mesmo se não dirá, e aqui o nosso juízo coincide com o do Acórdão, quanto à norma resultante dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 11/2010, que criaram um novo escalão de imposto, com um carácter tran- sitório, para valer nos anos de 2010 a 2013. A Lei n.º 11/2010 aprovou um novo escalão de IRS para rendimentos superiores a 150 000 euros, ao qual se aplica a taxa de 45% e que pretende vigorar para todos os rendimentos obtidos desde o início do ano de 2010. Na doutrina, Paz Ferreira, Bacelar Gouveia e Diogo e Mónica Leite de Campos defendem que, para as leis fiscais aprovadas a meio do ano, se deverá estabelecer uma dilação temporal in futurum , o que significa que o novo escalão só poderia valer para os anos seguintes de 2011 a 2013 (veja-se, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada , org., Tomo II, Coimbra, 2006, p. 223). Esta solução é congruente com o carácter anual dos escalões, que correspondem à exigência constitu- cional de progressividade dos impostos sobre o rendimento (artigo 104.º, n.º 1, da Constituição) e incidem,
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