TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010

102 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Constituição com a revisão constitucional de 1997, já valia objectivamente antes dessa data, como resulta da jurisprudência constitucional, que ancorava então aquela proibição no princípio da protecção da confiança e na ideia de Estado de direito ínsita no artigo 2.º da Constituição. Entendo no entanto que tal consagração expressa, ao invés de constituir, como parece decorrer do discurso argumentativo do Acórdão, uma via para- lela de apreciação das normas fiscais retroactivas, não pode deixar de se repercutir na força, alcance e vigor do princípio, tal como ele é reconhecido no texto constitucional. Aquela consagração, ao invés de limitar o reconhecimento do princípio, como até agora acontecia, a uma decorrência de parâmetros mais fluidos como a segurança, a protecção da confiança e a ideia de Estado de direito, vem afinal confirmar a autonomia normativa do princípio, que se liga a exigências mais precisas de legalidade, isto é, ao princípio da legalidade tributária (assim Jónatas Machado/Paulo Nogueira da Costa, Curso de Direito Tributário , Coimbra, 2009, p. 60). Neste sentido, o legislador fica obrigado a não aprovar leis fiscais retroactivas. A afirmação de que o princípio da não retroactividade das leis fiscais ganha autonomia normativa, deixando por isso de se poder consumir em princípios de maior abrangência como a protecção da confiança e a proporcionalidade, não exclui que ele não conheça excepções, mas supõe, quando a justificação das normas que o lesem se pretenda fazer com base na necessidade urgente de obtenção de uma maior receita fiscal, que se demonstre que não havia meios alternativos não retroactivos de obtenção daquela receita. É esta a leitura que cremos resultar da expressa formulação de uma regra proibitiva da retroactividade fiscal, que expressamente textualiza o princípio da irretroactividade que até 1997 a jurisprudência deste Tri- bunal fazia decorrer do princípio da protecção da confiança ínsito na ideia de Estado de direito consagrada no artigo 2.º da Constituição. Independentemente do cuidado que deve merecer, em termos de hermenêntica constitucional, a mobi­ lização do elemento histórico da interpretação jurídica, em particular dos trabalhos preparatórios, não cremos que a discussão parlamentar que precedeu a aprovação da modificação do texto constitucional permita concluir pela existência de uma vontade do legislador histórico que afaste o sentido que acabamos de expressar. 3. A alteração ao n.º 1 do artigo 68.º do CIRS decorrente da Lei n.º 12-A/2010 pretende abranger factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor (pois que as taxas aí previstas se aplicarão ao ren- dimento fiscal com expressa inclusão do que foi gerado na vigência de distintas taxas de imposto). É certo que elas não pretendem agir sobre rendimentos gerados em anos anteriores, tendo pois a retroactividade aí consagrada um carácter limitado no tempo, na medida em que a nova lei se limita a retroagir ao início do ano fiscal em que as alterações são aprovadas. Esta circunstância permite falar de uma retroactividade im- própria ou inautêntica, na medida em que a situação dos contribuintes se não encontra ainda perfeitamente consolidada, o que possibilita mitigar a dimensão categórica do princípio da irretroactividade, admitindo, em situação de necessidade, a aprovação de leis fiscais retroactivas, com sujeição expressa das leis em causa ao controlo dos princípios da proporcionalidade e da protecção da confiança (assim, na Alemanha, o Bonner Kommentar zum Grundgesetz , Bd. 5. 142. Aktualiz, Heidelberg, 2009, p. 741). A admissibilidade de uma retroactividade inautêntica, isto é, da possibilidade de aprovação de leis retro- activas agravadoras da carga fiscal relativa a impostos periódicos (como o IRS) que não retroajam para além do início de ano fiscal em que foram aprovadas (como ocorre no caso vertente) supõe assim que se faça o teste resultante dos princípios do Estado de direito como o da confiança e da proporcionalidade, tendo em conta a dimensão categórica que resulta da expressa consagração da irretroactividade fiscal agravadora. A irretroactividade inautêntica ou imprópria será assim possível se as medidas legislativas que a impli- cam tiverem por finalidade um legítimo e premente interesse de obtenção de receita fiscal para fins de equilí- brio das contas públicas, tiverem carácter necessário, por inexistirem alternativas não retroactivas viáveis, dentro do mesmo tipo de imposto, para obtenção da mesma receita fiscal, e não puserem em causa de forma excessiva a posição jurídica dos contribuintes impondo-lhes ónus quantitativamente excessivos ou que lesem de forma intolerável as suas legítimas expectativas.

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