TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 79.º Volume \ 2010
101 acórdão n.º 399/10 enunciados, não é o momento em que se produzem os efeitos de um imposto, mas sim o momento em que ocorre o acto que determina o pagamento desse imposto. É esse acto que vai dar origem à constituição de uma obrigação tributária, pelo que é nessa altura, em obediência ao princípio da legalidade, na vertente fundamentada pelo princípio da protecção da confiança, que se exige, como medida preventiva, que já se encontre em vigor a lei que prevê a criação ou o agravamento desse imposto, de modo a que o cidadão possa equacionar as consequências fiscais do seu comportamento. As normas cuja fiscalização sucessiva foi peticionada introduzem novas taxas e um novo escalão no Im- posto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, agravando a situação dos contribuintes abrangidos, pelo que lhes estava vedada qualquer eficácia retroactiva. Contudo, as mesmas entraram em vigor apenas em 16 Junho e 1 de Julho de 2010 para se aplicarem aos rendimentos obtidos durante todo o ano de 2010. O rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos na lei. Ou seja, trata-se de um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos recebidos num determinado ano, deduzidos dos montantes previstos na lei. Estamos, pois, perante o agravamento da tributação de um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, por acto legislativo que começou a vigorar após o início da verificação do facto tributário complexo duradouro, mas antes do seu termo. Tendo-se já iniciado a prática do facto que vai dar origem à obrigação tributária posteriormente agra- vada por lei nova, as razões que presidiram à consagração da regra de proibição da retroactividade neste domínio estão integralmente presentes, uma vez que também aqui importa prevenir o risco abstracto de que a lei publicada medio temporis provoque agravos financeiros desrazoáveis, pela impossibilidade financeira em que se encontravam os cidadãos afectados, vinculados a tais factos já pendentes, de prever e prover quanto às suas consequências tributárias, determinadas por lei futura. Também, relativamente a estes impostos, não pode uma lei, sob pena de violação da proibição imposta no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, agravar o seu montante, relativamente ao período fiscal em curso aquando da sua entrada em vigor. Assim, tendo as normas cuja fiscalização de constitucionalidade foi pedida pelo Presidente da República entrado em vigor em 16 de Junho e 1 de Julho de 2010, ao determinarem a sua aplicação ao IRS relativo ao período fiscal do próprio ano de 2010, violaram a referida proibição constitucional, pelo que me pronunciei pela declaração da sua inconstitucionalidade. – João Cura Mariano. DECLARAÇÃO de voto 1. Votei parcialmente vencido a presente decisão. Contrariarmente ao que foi decidido pelo Tribu- nal, pronunciei-me pela declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 68.º, n.º 1, do Código do IRS, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, quando conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 20.º da mesma Lei, na medida em que pretende aplicar-se a factos tributários ocorridos anteriormente ao início da sua vigência, por violação do princípio da não retroac- tividade das leis fiscais consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição. Cumpre agora explicitar as razões desta divergência, que começam no discurso do acórdão quanto à retroactividade fiscal proibida na Constitui ção e se prolongam no julgamento do sentido normativo que resulta da conjugação daqueles preceitos legais. 2. No que respeita ao primeiro aspecto citado, a leitura que faço do sentido e alcance da regra cons titucional da proibição da retroactividade das leis fiscais difere de facto da que resulta do Acórdão. Tenho para mim que o princípio da irretroactividade fiscal, expressamente consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da
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