TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010

372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Vejamos, então, se assim é. 6. O Tribunal Constitucional, em sede de ilícitos penais, tem vindo a entender que o legislador dis­ põe de suficiente liberdade conformadora quanto à fixação de quais os bens jurídicos constitucionalmente protegidos que devem ser alvo de tutela penal. Isto é, ainda que a Constituição proteja determinados bens jurídicos – seja sob a forma de princípios, seja sob a forma de princípios constitucionais – importa notar que a punição, a título de crime, não se afigura como a única forma apta a acautelar a protecção constitu­ cionalmente exigida. Recentemente, o Tribunal Constitucional sintetizou e consolidou este entendimento, a propósito de norma jurídica que exclui a ilicitude da interrupção voluntária da gravidez, a solicitação da grávida (cfr. Acordão n.º 75/10, publicado in Diário da República , II Série, n.º 60, de 26 de Março de 2010), nos termos do qual foi dito: «Como a doutrina tem justamente salientado – cfr. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main, 1986, 420-422, e Claus-Wilhelm Canaris, Direitos fundamentais e direito privado, Coimbra, 2003, 65-66, e 115- 116 – do ponto de vista da liberdade de actuação estadual e, em particular, de conformação legislativa, é grande a diferença estrutural entre os deveres negativos, de abstenção, e os positivos, de activa intervenção tuteladora. No domínio dos primeiros, assente que uma certa e determinada medida é ofensiva de um direito fundamental, o dever de a omitir impõe-se, prima facie. Isto porque a proibição de aniquilar ou afectar esse direito abrange toda e qualquer ingerência com tal virtualidade, incluindo, portanto, aquela específica medida que está em apreciação. Inversamente, o dever de protecção não importa a automática ordenação de todas as iniciativas a que seja de imputar esse resultado. E isto porque, enquanto que a proibição de ingerência só se cumpre com a omissão de todas as acções de destruição ou afectação, a realização de uma só acção adequada de protecção ou promoção é condição suficiente do cumprimento do mandato constitucional nesse sentido. Quando são adequadas diferentes acções de protecção ou promoção, nenhuma delas é, de per si, necessária para o cumprimento desse mandato: a única exi­ gência é que se realize uma delas, pertencendo a escolha ao Estado. Somente se existir uma única acção suficiente de promoção ou protecção é que ela se torna necessária para o cumprimento do dever de protecção. O que se retira da Constituição é apenas o dever de proteger, não estando predeterminado, nessa sede, um específico modo de protecção. Já Otto Bachof, em texto hoje clássico, o pôs em destaque, salientando que nenhum dos concretos problemas regulativos postos pela protecção da vida ainda por nascer encontra “resposta imediata na Constituição”, pelo que, para a sua decisão, “o legislador há-de dispor consequentemente de uma larga margem de liberdade” – “Estado de direito e poder político: os tribunais constitucionais entre o direito e a política”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LVI (1980), pp. 1 e segs., e p. 19. As inevitáveis opções a fazer, neste domínio, são, pois, pertença do legislador ordinário, sendo este colocado perante um espectro de soluções normativas de alcance distinto e de desigual intensidade tuteladora. Dentro desse espectro, a incriminação representa, em regra, o grau máximo de protecção. Mas também, simul­ taneamente, a lesão, na maior medida, de direitos encabeçados pelo sujeito penalizado, mormente quando, como neste caso, a verificação do tipo acarreta privação da liberdade. É no campo de valoração delimitado pela proibição do excesso e pela contraposta proibição de insuficiência que o legislador tem que exercitar a sua competência de modelação da disciplina da interrupção voluntária da gravidez. Podendo optar por consagrar uma protecção superior ao mínimo que lhe é jurídico-constitucionalmente imposto, o legislador não pode ultrapassar os limites que resultam da proibição do excesso (em último termo, do princípio da proporcionalidade). Só serão constitucionalmente conformes as soluções que respeitem ambas as proibições. (…) A primeira para evidenciar, em reforço do que já foi dito, que cumpre apreciar apenas se o regime de direito ordinário, globalmente considerado, traduz ou não a realização eficiente do mínimo de protecção constitucio­ nalmente exigido da vida intra-uterina, incluindo da vida do embrião nas primeiras 10 semanas. Não importa averiguar se outras medidas alternativas às adoptadas protegeriam em maior grau esse bem. O legislador era livre (no limite da proibição do excesso) de implantar essas medidas, mas não estava vinculado a fazê-lo. Contrariamente

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