TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 78.º Volume \ 2010
332 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL apreciação da insuficiência económica estipula que, “para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente do apoio judiciário”. Esquecem-se, no entanto, que determinados direitos há, que não existem para serem utilizados colectivamente antes se cingem à pessoa singular, titular desse direito. E esta perspectiva é verdadeiramente concretizadora de uma dignidade humana, quando se pensa que o Homem existe individualmente e é, enquanto ser único e irrepetível, que deve ser defendido pela sociedade e pelo ordenamento jurídico. O conceito de “economia comum” pressupõe uma comunhão de vida, com base num lar em sentido familiar, moral e social, uma convivência conjunta com especial ligação entre as pessoas pertencentes a essa unidade familiar, unidade essa, que conta com uma economia doméstica comum. No caso sub judice é facto notório que o requerente vive em economia comum com a sua mulher. No entanto, a aplicação do anexo à Lei n.º 34/2004, que remete a apreciação da insuficiência económica para o rendimento relevante do agregado familiar, e das fórmulas matemáticas previstas nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, e portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, conduzem a um resultado absolutamente atentatório do elementar direito de acesso aos tribunais e à justiça. Violam, assim, o princípio da proporcionalidade em sentido restrito – as leis inibitórias de direitos, e os fins obtidos, devem situar-se num grau de razoabilidade, não sendo possível a adopção de medidas legais restritivas, desproporcionadas e excessivas, em relação aos fins tidos em vista. Caso contrário, seria atingido o princípio da igualdade, visto como o garante de que se trata igual o que é igual e diferente o que é diferente. Assim, o rendimento relevante, tido em conta pela Segurança Social, fundamenta- se no rendimento auferido pelo requerente e pela sua mulher, sendo certo que se trata de rendimentos recebidos individualmente. A segurança social, partiu da soma destes dois rendimentos, subtraiu o “montante dedutível” e chegou a um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o valor do salário mínimo nacional, considerando, por isso, que o requerente, rectius, o agregado familiar, tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 16.º. A segurança social, não considerou os gastos existentes nesta concreta situação, especialmente, os gastos com os medicamentos que a mulher do requerente, necessita para sobreviver. É que o partir desta noção fixa e abstracta de “agregado familiar” é manifestamente insuficiente para que se possa apurar com justiça as reais necessidades da requerente. E é evidente que o Estado deve proporcionar as condições de acesso às pessoas que efectivamente não tenham essas condições, independentemente dos resultados nascidos das fórmulas matemáticas. Como este caso comprova, tais fórmulas não preenchem o infinito enquadra mento que cada pessoa tem e constitui. Em resumo, o apoio judiciário foi parcialmente recusado tendo em base a (in)suficiência económica de duas pessoas e não só do requerente. Ora, o rendimento que deve ser considerado relevante para efeitos do apoio judi ciário é o rendimento auferido unicamente pelo requerente. Na mesma medida, as despesas a serem tidas em conta, são as que se podem englobar no funcionamento normal de uma casa – luz, água, alimentação, vestuário – mas também aquelas que dizem respeito somente ao requerido – as despesas médicas por exemplo. Complementarmente, o facto de o método de cálculo ser o único elemento decisor da decisão de deferimento de apoio judiciário configura igualmente uma restrição a direitos fundamentais. Cite-se, a esse propósito, o já identificado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 263/2008, “(…) o legislador ordinário concebeu, dentro da sua discricionariedade constitutiva, um método de apuramento da insuficiência económica para efeitos de protecção jurídica, construído em torno da consideração de elementos rígidos ou estáti cos, aptos a obviarem à variabilidade subjectiva da decisão decorrente da subjectividade da apreciação do decisor administrativo.
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