TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

98 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O mesmo é sustentado por Gomes Canotilho e Vital Moreira, que afirmam que «a recepção constitucio- nal do conceito histórico de casamento como união entre duas pessoas de sexo diferente não permite retirar da Constituição um reconhecimento directo e obrigatório do casamento entre pessoas do mesmo sexo (como querem alguns a partir da nova redacção do artigo 13.º, n.º 2).» ( Constituição da República Anotada , volume I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 568) Do que importa tratar é da correcta interpretação do artigo 36.º, n.º 1, que consagra o direito fun- damental de todos ao casamento. Para além desta dimensão subjectiva, o casamento apresenta-se tam- bém, como se pode ler na decisão, coberto pela “garantia de instituto”. Não obstante poder concordar, em princípio, com o papel residual que está reservado a esta figura no quadro do constitucionalismo actual, não creio, contrariamente ao entendimento subscrito pela maioria que uma eventual transmutação da figura [“(…) a construção perdeu essa sua função histórica e não pode manter-se com o mesmo sentido” ponto 19], possa redundar na respectiva irrelevância, na presente sede, nomeadamente no que se refere ao núcleo essencial do casamento e à inclusão nesse núcleo da diferença de sexo dos cônjuges. Atente-se aliás no facto de que a decisão do Tribunal Constitucional Federal alemão referida neste Acórdão centrou a sua análise, ao aferir a compatibilidade do regime das Parcerias Registadas com o artigo 6.º, n.º 1, da Grundgesetz , na circunstância de que aquele regime não afectava o conteúdo essencial da garantia de instituto (casamento) constitucionalmente prevista e consagrada. Sendo certo que nessa decisão aquele Tribunal debruçou-se sobre questão diversa da que integra o objecto dos presentes autos – tendo então sido chamado a apreciar o regi­ me especificamente criado pelo legislador para tutelar uniões homossexuais, optando pela via das Parcerias Registadas e negando-lhes o acesso ao casamento – e que, como é bem de ver, o referido artigo 6.º, n.º 1, não apresenta integral identidade com o nosso artigo 36.º, n.º 1, considero ainda assim bastante significativo que o Tribunal Constitucional alemão não tenha enveredado pela via que se adopta na presente decisão de relegar para um plano “secundário” a categoria dogmática da “garantia de instituto”. Figura esta que, realce-se, tem génese germânica. O Tribunal Constitucional alemão entendeu então que a diferença de sexos dos cônjuges se integra no núcleo essencial do instituto casamento, sendo apenas passível de alteração, enquanto princípio essencial estruturante do mesmo, por via de uma revisão constitucional. Entendo que a mesma conclusão se imporia no quadro do nosso ordenamento fundamental. Embora a Constituição portuguesa não defina (aliás, tal como a Lei Fundamental alemã) o que é o casamento, não significa isto que se trate de conceito totalmente alheado de qualquer densificação consti- tucional. Desde logo, do artigo 36.º resulta uma configuração constitucionalmente consagrada e protegida, como garantia institucional, de acordo com a qual «se exige, em face das intervenções limitativas do legisla- dor a salvaguarda do “mínimo essencial” (núcleo essencial) das instituições» (cfr. Comes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição , 7.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 397). Assim, ao “núcleo essencial” corresponderão as faculdades típicas que integram o direito, tal como é definido na hipótese normativa, e, que correspondem à protecção da ideia de dignidade humana individual na respectiva esfera da realidade – abrangem aquela dimensão dos valores pessoais que a Constituição visa em primeira linha proteger e que caracterizam e justificam a existência autónoma daquele direito fundamental (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976 , 3.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 176). Significa isto que «o casamento não é, pois, garantido como uma realidade abstracta, completamente manipulável pelo legislador e susceptível de livre conformação pela lei ordinária. Pelo contrário, não faz sen- tido que a Constituição conceda o direito a contrair casamento e, ao mesmo tempo, permita à lei ordinária suprimir a instituição ou desfigurar o seu núcleo essencial (...). O legislador deve, em conformidade, respeitar a estrutura nuclear da garantia institucional do casamento que se extrai da Constituição» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , vol. 1, p. 397). Também Francisco Pereira Coelho e Guilher­ me de Oliveira, sustentam que a «instituição do casamento está constitucionalmente garantida, pois que não faria sentido que a Constituição concedesse o direito a contrair casamento e, ao mesmo tempo, permitisse ao legislador suprimir a instituição ou desfigurar o seu “núcleo essencial”»(cfr. Curso de Direito de Família , vol. I, 3.ª edição, Coimbra Editora, p. 160).

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