TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

96 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da CRP), a igualdade, a liberdade ou o direito à identidade pessoal e ao livre (e coerente) desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º, n.º 1, da CRP). A meu ver, deles re- sulta, v. g ., a liberdade de opção quanto à forma de constituir a família nuclear (o que inclui todos poderem escolher o casamento), ou a relevância da procura da realização pessoal através do casamento, incluindo a realização afectiva/emocional/sexual, em ambos os casos sempre, também aqui, balizadas pelo quadro consti­ tucional. Além destes aspectos individuais relativos ao casamento, a Constituição garante o direito a constituir família, no mesmo artigo 36.º, e protege-a de forma especial. Sendo o casamento, como comunhão (íntima) de vida (e visão conjunta de futuro), um dos modos de constituir aquele elemento fundamental da sociedade (que deve ser constitucionalmente entendido como «1+1=2» e não, necessariamente, como «1+1 ≥ 3»), a CRP obriga, a meu ver, a que o legislador modele o instituto do casamento de modo a salvaguardar (no mínimo) o ambiente afectivo familiar, alguma estabilidade benéfica à família, e a protecção de um perante o outro em resultado do compromisso assumido na opção por um percurso de vida comum (assistência, cuidado, apoio, partilha e confiança devidos ao outro). A protecção constitucional do direito ao casamento imporá ainda a protecção contra terceiros e contra o próprio Estado. Da Constituição resulta também que o casamento, enquanto um dos elementos estruturantes da socie- dade (como um dos instrumentos jurídicos de constituição do núcleo familiar), é um vínculo jurídico cuja existência não pode deixar de ser assegurada – sempre dentro dos moldes constitucionalmente admissíveis –, devendo o legislador fixar-lhe os efeitos pessoais e patrimoniais, a sua constituição e extinção. E sendo dotado de especial simbolismo, naquilo que em si carrega de reconhecimento social ligado, quer ao próprio acto, quer ao estado civil, sempre caberá ao legislador salvaguardar a sua denominação simbólica e publicidade. É esta estrutura da garantia constitucional do casamento (e legal, quando com aquela constitucional- mente conforme, e no que, por referência a esta, possa ser considerado nuclear à configuração constitucional do instituto) que é preciso convocar quando se procura determinar a possibilidade (como faz o Acórdão), mas também, a meu ver, a imperatividade, da consagração do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Estabelecendo o artigo 36.º, n.º 1, da CRP, que todos têm direito de contrair casamento em condições de plena igualdade, e atendendo ao disposto no artigo 13.º, n.º 2, da CRP, que garante, nomeadamente, que ninguém pode ser prejudicado ou privado de qualquer direito em razão de orientação sexual, seria preciso encontrar fundamento material suficiente para a diferenciação. Considerando as finalidades do casamento – individuais, como a salvaguarda da realização pessoal no plano emocional e afectivo através da comunhão íntima de vida; de protecção institucional do cuidado pelo outro, de estabilidade do vínculo e simbolismo – e atendo aos seus efeitos decorrentes da lei (patrimoniais e regime de bens, sucessórios, deveres de assistência, quanto à segurança social, …) não se vê como poderia uma medida legislativa encontrar suporte material bastante para fundamentar uma diferença de tratamento entre pares do mesmo sexo e pares de sexo diferente que pretendessem casar, fosse a diferença estabelecida quanto aos efeitos jurídicos vinculativos, ou, desde logo e por maioria de razão, quanto à denominação sim- bólica do vínculo: as relações de comunhão íntima de vida que se estabelecem entre pessoas do mesmo sexo são, no essencial e no que constitucionalmente releva (e afastado que está o entendimento de que a Con- stituição possa acolher um modelo de casamento baseado na complementaridade de sexos potencialmente procriativa), iguais. Deixar ao legislador a possibilidade de dizer que duas pessoas do mesmo sexo apenas podem casar se não for uma com a outra, seria conceder-lhes um direito de que usufruiriam contra a sua orientação sexual. Deixar ao legislador a opção de negar o direito ao casamento quando a realização sexual do par acontece sendo ambos do mesmo sexo mais não é do que tratar de maneira diferente afectos e projectos de vida iguais. À luz do conceito constitucional de casamento, das finalidades da protecção do direito fundamental, e do que se deve considerar inscrito no actual estado de pessoa casada (e apenas quanto ao que daí directa- mente decorra), não encontro fundamento racional e razoável bastante para a diferença, devendo ser consa- grada a igualdade de tratamento que, no actual quadro constitucional, não admito que possa ser reversível.

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