TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

94 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ao que for essencialmente igual e que trate diferentemente o que for essencialmente diferente. Desta máxima decorre a proibição do arbítrio, que funciona como princípio negativo de controlo das opções legislativas. O tratamento diferente de situações de facto iguais, ou o tratamento igual de situações de facto diversas viola o princípio da igualdade quando, para a diferenciação legal ou para o tratamento legal igual, não for possível encontrar um motivo razoável, que surja da natureza das coisas ou que, de alguma outra forma, seja compreen- sível em concreto, isto é, quando a disposição tenha de ser qualificada como arbitrária. Todavia, como também é de uso repetir, a vinculação do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, cabendo-lhe identificar ou qualificar as situações de facto que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só existe violação do princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio quando para a medida legislativa não é possível encontrar suporte material (cfr. por todos, Acórdão n.º 232/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt , com exaustiva indicação de jurisprudência e doutrina). Ora, sendo embora certo que, na perspectiva biológica, sociológica ou antropológica, constituem realidades diversas a união duradoura entre duas pessoas do mesmo sexo e duas pessoas de sexo diverso, no aspecto jurídico a equiparação de tratamento não é destituída de fundamento material. Na verdade, é razoá­ vel que o legislador possa privilegiar o efeito simbólico e optimizar o efeito social antidiscriminatório do tratamento normativo, estendendo à tutela dessas uniões o quadro unitário do casamento. 26. Tal como no Acórdão n.º 359/09, também agora, perante uma alteração legislativa desta natureza, se afigura útil recordar o que o Tribunal afirmou no Acórdão n.º 105/90: «[...] se o conteúdo da ideia de dignidade da pessoa humana é algo que necessariamente tem de concretizar-se histórico-culturalmente, já se vê que no Estado moderno — e para além das projecções dessa ideia que encontrem logo tradução ao nível constitucional em princípios específicos da lei fundamental (maxime, os relativos ao recon- hecimento e consagração dos direitos fundamentais) — há-de caber primacialmente ao legislador essa concretiza- ção: especialmente vocacionado, no quadro dos diferentes órgãos de soberania, para a “criação” e a “dinamização” da ordem jurídica, e democraticamente legitimado para tanto, é ao legislador que fica, por isso, confiada, em primeira linha, a tarefa ou o encargo de, em cada momento histórico, “ler”, traduzir e verter no correspondente ordenamento aquilo que nesse momento são as decorrências, implicações ou exigências dos princípios “abertos” da Constituição (tal como, justamente, o princípio da “dignidade da pessoa humana”). E daí que – indo agora ao ponto – no controlo jurisdicional da constitucionalidade das soluções jurídico-normativas a que o legislador tenha, desse modo, chegado (no controlo, afinal, do modo como o legislador preencheu o espaço que a Constituição lhe deixou, precisamente a ele, para preencher) haja de operar-se com uma particular cautela e contenção. Decerto, assim, que só onde ocorrer uma real e inequívoca incompatibilidade de tais soluções com o princípio regulativo constitucional que esteja em causa — real e inequívoca, não segundo o critério subjectivo do juiz, mas segundo um critério objectivo, como o será, por exemplo (e para usar aqui uma fórmula doutrinária expressiva), o de “todos os que pensam recta e justamente” –, só então, quando for indiscutível que o legislador, afinal, não “concretizou”, e antes “subverteu”, a matriz axiológica constitucional por onde devia orientar-se, será lícito aos tribunais (e ao Tribunal Constitucional em particular) concluir pela inconstitucionalidade das mesmas soluções. E, se estas considerações são em geral pertinentes, mais o serão ainda quando na comunidade jurídica tenham curso perspectivas diferenciadas e pontos de vista díspares e não coincidentes sobre as decorrências ou implica- ções que dum princípio “aberto” da Constituição devem retirar-se para determinado domínio ou para a solução de determinado problema jurídico. Nessa situação sobretudo – em que haja de reconhecer-se e admitir-se como legítimo, na comunidade jurídica, um “pluralismo” mundividencial ou de concepções – sem dúvida cumprirá ao legislador (ao legislador democrático) optar e decidir.» 27. De todo o exposto resulta que devem ser julgadas improcedentes as dúvidas de constitucionalidade que justificam o presente pedido de fiscalização preventiva de inconstitucionalidade, não se considerando violado, por qualquer das normas sujeitas a apreciação, o n.º 1, do artigo 36.º da Constituição.

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