TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
93 ACÓRDÃO N.º 121/10 termos do artigo 67.º da Constituição merece a protecção do Estado, «não é só aquela que se funda no matri mónio; é também aquela outra que pressupõe uma comunidade auto-regulada de afectos, vivida estável e duradouramente à margem da pluralidade de direitos e deveres que, nos termos da lei civil, unem os cônjuges por força da celebração do casamento. O direito a escolher viver em tal comunidade de afectos, modelada por vontade própria à margem dos efeitos civis do casamento, tem por certo assento constitucional – seja através da disjunção que o n.º 1 do artigo 36.º da CRP estabelece entre o “direito de constituir família” e o “direito de contrair casamento”, seja através da cláusula de liberdade geral de actuação que vai inscrita no direito ao desenvolvimento da personalidade, contido no n.º 1 do artigo 26.º» O casamento entre pessoas do mesmo sexo apenas vai conduzir a que o espaço de realização interpes- soal, coabitação, mútua assistência e contribuição para as necessidades comuns com vista à plena realização pessoal, em que a família consiste, assuma, também para elas, a veste jurídica que resulta da sua recíproca vinculação. Não há fundamento para ver nesse alargamento sacrifício, nem sequer no plano de administra- ção de recursos públicos escassos, para a realização das tarefas que nesse domínio incumbem ao Estado (n.º 2 do artigo 67.º da Constituição). Não se vê, pois, em que possa colidir o novo regime do casamento com os deveres de protecção “da sociedade e do Estado” em relação à família, entendida como categoria existencial ou fenómeno da vida, assumida pela Constituição como instituição jurídica necessária. 24. Uma definição do casamento pela lei ordinária de modo a abranger o casamento entre pessoas do mesmo sexo poderia suscitar objecções se, por si e abstractamente, fosse susceptível de afectar outros direitos subjectivos fundamentais, designadamente os respeitantes ao mesmo direito por parte de pessoas de sexo diferente. Poder-se-ia, então sim, abrir campo para invocação do valor interpretativo da DUDH em defesa do âmbito do direito de contrair casamento, nos termos anteriormente referidos. Parece, porém, manifesto que a atribuição do direito ao casamento a pessoas do mesmo sexo não afecta a liberdade de contrair casamento por pessoas de sexo diferente, nem altera os deveres e direitos que para estas daí resultam e a representação ou imagem que elas ou a comunidade possam atribuir ao seu estado matrimonial. Salvo, obviamente, se a perda de valor simbólico do casamento em geral fosse atribuída à circunstância de esse estatuto passar a poder ser compartilhado com casais de orientação homossexual. Concepção que se fundaria num motivo constitucionalmente ilegítimo (artigo 13.º, n.º 2, da CRP), sendo, por isso, insustentável. Em resumo: o casamento entre pessoas de sexo diferente mantém-se intocado, nas suas condições de realização, nos seus efeitos jurídicos, entre os cônjuges e perante o Estado e terceiros, e no seu significado como fonte de relações familiares e compromisso social. 25. No pedido, embora sem maiores desenvolvimentos e na parte em que se sustenta a ideia de que a necessidade de tutela dos casais homossexuais obteria satisfação cabal com um regime de “união civil regista- da” ou semelhante, faz-se alusão a que também o princípio da igualdade poderia ser invocado para sustentar a inconstitucionalidade da permissão do casamento entre pessoas do mesmo sexo. O pedido não autonomiza as razões pelas quais a equiparação ou indiferenciação produzida quanto ao casamento entre pessoas de sexo diferente e pessoas do mesmo sexo viola o princípio da igualdade. A alegada violação do princípio da igualdade e a alegação da violação da garantia institucional fundam-se na mesma concepção de casamento. Se o casamento pressupõe duas pessoas de sexo diferente, a sujeição a esse mesmo instituto da união entre pessoas do mesmo sexo trataria por igual o que é diferente porque não cabe no grupo normativo de destinatários a que o instituto é destinado. Assim, desde logo vale a propósito do princípio da igualdade o que se disse quanto à garantia de instituto. É certo, como o Tribunal tem abundantemente repetido, que o princípio da igualdade, consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, impõe ao legislador que dê tratamento igual
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