TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
91 ACÓRDÃO N.º 121/10 ao nível da consideração daquele como instituição social através da qual o Estado recorre ao potencial do direito para difundir determinados valores na sociedade, no caso os valores segundo os quais o casamento, por um lado, constitui um meio específico de envolver uma geração na criação da que se lhe segue (…)» (Acórdão n.º 359/09). O que acaba de dizer-se pode constituir argumento para que não se entenda, no quadro axiológico da Constituição, ser constitucionalmente imperiosa a redefinição do conceito actual de casamento (hipótese da inconstitucionalidade do regime actual que agora teria sido removida). Mas, não serve para que se julgue que se desnaturou a instituição matrimonial pela inclusão na mesma categoria jurídica, a par de casamentos entre pessoas de sexo diferente, casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Nos domínios do casamento e da família a realidade social está em assinalável e acelerada mudança, com os reflexos jurídicos e as variadas respostas, no problema que nos ocupa, que as notas de direito interna- cional e comparado atrás expostas procuraram espelhar. Sobre ela só poderá haver, numa sociedade aberta e plural, uma “divergência razoável” a provocar remédios que se inserem na discricionariedade legislativa cujo resultado excede, em larga medida, quando não atinja a dimensão subjectiva dos direitos fundamentais, o domínio da controlabilidade judicial. 22. É legítimo perguntar, então, o que é constitucionalmente essencial no instituto do casamento se o não é um pressuposto cuja ausência, no actual regime jurídico infraconstitucional, gera a total improdutivi- dade do acto (cfr. quanto à doutrina da inexistência jurídica do casamento e razões que a justificam, Fran- cisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit . , 4.ª edição, p. 300). É interrogação a que ao Tribunal só cabe responder na medida do necessário ao escrutínio da validade constitucional das normas que lhe são sujeitas, ou seja, para saber se com ele colide a alteração da estrutura subjectiva ou modal do casamento que consiste em passar a permitir-se que casem entre si duas pessoas do mesmo sexo. Da configuração do direito a contrair casamento como direito fundamental resulta que o legislador não pode suprimir do ordenamento jurídico o casamento, enquanto instituto jurídico destinado a regular as situações de comunhão de vida entre duas pessoas, num reconhecimento da importância dessa forma básica de organização social. Mas a Constituição não define o perfil dos elementos constitutivos do instituto a que o n.º 1 do artigo 36.º se refere, relegando no n.º 2 do mesmo preceito para o legislador a incumbência de manter a necessária conexão entre Direito e realidade social. O conceito constitucional de casamento é um conceito aberto, que admite não só diversas conformações legislativas, mas também diversas concepções políticas, éticas ou sociais, sendo confiada ao legislador ordinário a tarefa de, em cada momento histórico, apreender e verter no ordenamento aquilo que nesse momento corresponda às concepções dominantes nesta matéria (vide, neste sentido, Miguel Nogueira de Brito, in Casamento entre Pessoas do mesmo Sexo , pp. 58-59). É esta mesma leitura que já se encontra na fundamentação do Acórdão n.º 359/09, quando nele se disse que «(…) não se aceita o entendimento segundo o qual o casamento objecto de tutela constitucional envolve uma petrificação do casamento tal como este é hoje definido na lei civil, excluindo o reconhecimento jurí dico de outras comunhões de vida entre pessoas.» E, neste aspecto, a Constituição portuguesa é mais favorável à intervenção do legislador no sentido agora questionado do que outras congéneres, na medida em que coloca a essa interpretação menos obstáculos textuais. Quer porque no n.º 1 do artigo 36.º se designa a titularidade do direito mediante a palavra “Todos” e não pela expressão “O homem e a mulher” que é geralmente invocada, perante outros textos constitucio- nais ou de direitos fundamentais como argumento a favor da heterossexualidade necessária do casamento. Quer, sobretudo, pela expressa previsão do n.º 2 do mesmo artigo 36.º que já levou a que se escrevesse (Nico la Pignatelli, «I livelli europei di tutela delle copie omosessuali tra “istituzione” matrimoniale e “funzione” familiare», in Rivista di Diritto Costituzionale, 2005, p. 281):
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