TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

90 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL oposto e que, consequentemente, não poderiam reclamar a protecção da DUDH para casar em conformi- dade com essa sua orientação sexual. Isto posto, não encontrando na DUDH limites interpretativos cogentes quanto à extensão do direito de contrair casamento (casamento-acto) a pessoas do mesmo sexo e ao consequente ingresso no estado de casados entre si, com o estatuto emergente no âmbito das relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges e destes ou de cada um destes com terceiros (casamento-estado), devemos interrogar-nos se a solução nor- mativa em exame colide com a garantia institucional do casamento, na dupla vertente de subjectivação da garantia por nubentes (acto) ou cônjuges (estado matrimonial) de sexo diverso e da prossecução dos valores comunitários constitucionalmente plasmados no instituto do casamento e na instituição da família. Nesta segunda vertente, tratando-se de uma afectação no plano intensivo ou de grau de realização do programa normativo constitucional, o Tribunal só poderá censurar a opção legislativa ao nível da evidência manifesta. 21. Sustenta-se, para vincular o conceito constitucional ao carácter imperativo da diversidade de sexo entre os cônjuges, que a Constituição fornece um adequado enquadramento da noção de casamento no con- texto da família, que limita o intérprete no âmbito de uma interpretação actualista, mas também sistemática, cujo resultado não pode abstrair da literalidade da norma do artigo 36.º Invoca-se, para tanto, o disposto no n.º 1 do artigo 67.º, nos n. os 1 a 4 do artigo 68.º e no n.º 2 do artigo 71.º da Constituição. Em todos eles a referência à família se encontraria associada à filiação, cujo papel se afigura central na instituição familiar, tal como consagrada na Constituição, devendo destacar-se, pelo seu conteúdo preceptivo, a salvaguarda dessa instituição prevista no seu artigo 36.º Resumindo, a diversidade de sexo entre os dois cônjuges seria imposta para salvaguarda dos fins ou valores constitucionais de protecção da família e da potencialidade procriativa do casamento, pelo que a diversidade de sexos integraria a estrutura nuclear da garantia que, quanto a essa instituição, da Constituição deve extrair-se. É certo que a geração de filhos biologicamente comuns depende da diversidade de sexo. E, consequen­ temente, que ao matrimónio entre cônjuges do mesmo sexo, não podendo assegurar a geração de filhos comuns, não pode ser creditada a função comunitária de contributo potencial para a reprodução da sociedade. Porém, esta potencialidade não pode ser erigida numa finalidade absolutamente essencial à garantia constitucional em causa porque não integra sequer o actual conceito de casamento heterossexual. Apesar de proposta nesse sentido do “Projecto Gomes da Silva”, inicialmente acolhida pelos “Anteprojectos” saídos da 1.ª e 2.ª Revisões Ministeriais, foi abandonada na versão final do Código Civil de 1966 (vide os excer- tos destes trabalhos preparatórios em “ Direito da Família segundo o Código Civil de 1966 ”, vol. I, p. 20, de Rodrigues Bastos). A vontade inicial e constante dos cônjuges de não terem filhos não os impede de contrair casamento e de se manterem casados. Como o não impedem ou invalidam a esterilidade ou a impotência, por si mesmas. Aliás, como lembra Pedro Múrias, «os casamentos em idades estéreis são frequentes e, pela sua relevância, têm inclusive previsão legal [cfr. artigo 1720.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil]» ( Casamento entre Pessoas do mesmo Sexo , pp. 40-41). Não se nega que, sendo a maternidade e a paternidade valores sociais eminentes (n.º 2 do artigo 68.º da Constituição), também para efeitos do estabelecimento pelo legislador dos “requisitos” do casamento não é comunitariamente inócuo que o casamento una duas pessoas capazes de assumirem “um projecto que, embora susceptível de fracassar, é à partida dotado de uma intencionalidade que dá algumas garantias de sucesso na “reprodução social”, isto é, na actividade que possibilita a natural geração de cidadãos e a sua ma- nutenção em actividade útil para a sociedade – não só como indivíduos de uma espécie biológica concreta, mas como cidadãos equilibrados, úteis e responsáveis” (parafraseando Rita Lobo Xavier, embora a propósito do tema mais geral de protecção da família, apud Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, p. 690). Todavia, sem que com isto se abandone a ideia de que «não é forçoso reduzir o casamento aos seus efeitos, e a Constituição distingue claramente, no artigo 36.º, n.º 2, os requisitos e os efeitos do casamento. A conexão que é possível estabelecer, com sentido, entre casamento e procriação opera

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