TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

89 ACÓRDÃO N.º 121/10 II – O conceito de casamento deve ser interpretado, por imposição do n.º 2 do artigo 16.º da Consti- tuição, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH). E, nesta, o casamento que se prevê e protege e de que, por força daquela norma constitucional, resulta um conceito vinculativo para Portugal, é o casamento entre um homem e uma mulher. 21. Comecemos por esta última linha de argumentação. A DUDH estabelece no seu n.º 1 do artigo 16.º que “a partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família”. Sendo esta referência ao género dos titulares do direito caso isolado na DUDH (“Todos os seres humanos” – artigos 1.º e 2.º – “Todo(s) o(s) indivíduo(s)” – artigos 3.º, 6.º, 15.º e 19.º; “Todos” – artigos 7.º, 23.º e 27.º; “Toda a pessoa” – artigos 8.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 17.º, 18.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º; “Ninguém” – artigos 4.º, 5.º, 9.º, 11.º, 12.º, 17.º, 20.º) é razoável concluir que o conceito de casamento objecto de protecção por este texto de direito internacional respeita à união entre um homem e uma mulher (neste sentido a interpretou a sentença do Tribunal Consti- tucional da África do Sul no caso Minister of Home Affairs v. Fourie, embora salientando que é “descritiva de uma realidade assumida, mais do que prescritiva de uma estrutura normativa para todos os tempos”). Admitida esta interpretação da DUDH e dispondo a Constituição, no n.º 2 do artigo 16.º, que «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem», sustenta-se que o n.º 1 do artigo 36.º teria de ser interpretado como, do mesmo passo em que consagra o direito ao casamento entre indivíduos de sexo diferente, proibindo a extensão do casamento a pessoas do mesmo sexo. Vejamos se assim é porque a questão de constitucionalidade poderia dar-se por resolvida, se essa fosse a interpretação imperativa do texto constitucional. Enunciando um princípio de interpretação conforme à Declaração Universal dos Direitos do Homem, o alcance útil do n.º 2 do artigo 16.º da Constituição é o de permitir recorrer à Declaração Universal para fixar o sentido de uma norma constitucional de direitos fundamentais a que não possa atribuir-se um significado unívoco, ou para densificar conceitos constitucionais indeterminados referentes a direitos fundamentais (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pp. 367-368; Vieira de Andrade, ob. cit., p. 45). Aceita-se, pois, que o artigo 16.º, n.º 2, da Constituição eleva a DUDH ao estatuto de critério de interpre- tação e de integração das regras legais e mesmo constitucionais em matéria de direitos fundamentais. Além da recepção da Declaração Universal dos Direitos do Homem na ordem jurídica interna, constata-se pois que se reconhece a este instrumento um lugar especial, quase supraconstitucional, a partir do momento em que o concebemos como elemento de referência para a interpretação das próprias regras constitucionais (Rui Moura Ramos, L’ Intégration du droit international et communautaire dans l’ ordre juridique national , in Da Comunidade Internacional e do seu Direito , Coimbra, 1996, p. 254). Mas, sendo certas, quer a interpretação do n.º 1 do artigo 16.º da DUDH, quer a existência do princípio da interpretação da Constituição em conformidade com esse instrumento de direito internacional de que o pedido se socorre, há um equívoco na invocação do argumento. O sentido da norma que confere esse relevo à DUDH é o de alargar a cobertura constitucional dos direitos fundamentais e não o de a restringir ou limitar, extensiva ou intensivamente. Vale por dizer que o n.º 2 do artigo 16.º da Constituição funciona apenas do “lado” jurídico-individual dos direitos fundamentais e quando não conduza a uma solução menos favorável aos direitos fundamentais do que a interpretação “endógena” da Constituição. Deve intervir aqui o princípio da preferência de aplicação das normas consagradoras de um nível de protecção mais elevado, à semelhança do que prescrevem os artigos 52.º, n.º 3 e 53.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit. , p. 368). Assim, o n.º 2 do artigo 16.º não pode operar no sentido de impedir o legislador ordinário, desde que com isso não restrinja ou limite o acesso ao casamento heterossexual por homens ou mulheres em idade núbil ou lhe diminua o conteúdo enquanto direito fundamental, de o permitir também a uma categoria de indivíduos que não têm inclinação para o relacionamento afectivo e sexual duradouro com pessoas do sexo

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