TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
87 ACÓRDÃO N.º 121/10 a evolução da instituição matrimonial. O problema era político-juridicamente desconhecido, pelo que o elemento histórico deve ser mobilizado com cautelas ainda maiores do que aquelas que geralmente já merece na interpretação do texto constitucional. E o certo é que a Constituição remete para o legislador, além da determinação dos “efeitos”, a fixação dos “requisitos” do casamento (n.º 2 do artigo 36.º), poder este que não pode ser lido como restrito aos aspectos de mera regulação formal, pelo que importa saber se, independentemente do que era o casamento no contexto social e jurídico em que a norma do n.º 1 do artigo 36.º foi elaborada, a inovação legislativa em análise, procurando responder ao que o legislador entendeu constituir pretensão legítima de reconhecimento e tutela perante novas necessidades sociais a que, como se referiu, já vêm sendo conferidas outras formas de acolhimento jurídico, é de molde a infringir a garantia institucional do casamento. Efectivamente, pode considerar-se que o casamento está coberto pela chamada “garantia de instituto”. Simultaneamente com o reconhecimento de direitos individuais, o artigo 36.º reconhece e garante também a família e o casamento como instituições em si mesmas, sendo repositório «de típicas garantias institucionais, que por isso não podem ser legalmente suprimidas ou desqualificadas» (Gomes Canotilho e Vital Moreira , ob. cit. , p. 561). E o Tribunal já o reconheceu, designadamente no Acórdão n.º 590/04, em que se disse: «Quanto ao direito a casar, pode dizer-se que este comporta duas dimensões. Por um lado, consagra um direito fundamental, por outro, é uma verdadeira norma de garantia institucional. Como explicam Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, in Curso de Direito da Família , Vol. I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2001, p. 137): “Merece referência (...) a questão de saber se o artigo 36.º, n.º 1, 2ª parte, concede apenas um direito funda- mental a contrair casamento ou, mais do que isso, é uma norma de garantia institucional. Embora a Constituição não formule de modo explícito um princípio de ‘protecção do casamento’ (só a família é protegida no artigo 67.º), temos entendido que a instituição do casamento está constitucionalmente garantida, pois não faria sentido que a Constituição concedesse o direito a contrair casamento e, ao mesmo tempo, permitisse ao legislador suprimir a instituição ou desfigurar o seu ‘núcleo essencial’.”» Como diz Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 4.ª edição, pp. 135-137, «a Constituição é, designadamente em domínios básicos da vida social, um newcomer que toma a liderança de um universo jurídico onde encontra complexos normativos, por vezes com milhares de anos, alguns dos quais têm uma lógica de sistema baseada nas ideias de auto-responsabilidade e de autodesenvolvi- mento pessoal. Aí a Constituição pode optar por reconhecer e garantir, nos seus lineamentos essenciais, esses complexos normativos de direito ordinário, sem prejuízo de os redefinir e cunhar a nível constitucional. É o que se passa com o reconhecimento da autonomia privada, em diversas manifestações, individuais ou familiares, como a liberdade contratual, a propriedade, a herança, o casamento, a família, a filiação, a respon- sabilidade familiar pela manutenção e educação dos filhos e a adopção». E, como adverte o mesmo Autor, deve entender-se que as garantias institucionais se referem ao complexo jurídico-normativo e não à realidade social em si, de modo que é com esse alcance que vinculam o legislador, “admitindo um espaço, maior ou menor, de liberdade de conformação legal, mas proibindo-lhe sempre a destruição ou a desfiguração da ins tituição (do seu núcleo essencial)”. 19. Impõe-se, todavia, um prévio esclarecimento sobre o que pode significar, naqueles domínios onde a Constituição consagra posições jurídicas subjectivas individuais, como é o caso do direito fundamental ao casamento no n.º 1 do artigo 36.º, a vinculação constitucional do legislador a conservar o núcleo essencial do complexo jurídico de direito privado através do qual o direito fundamental se concretiza: a chamada garantia de instituto, i. e. do complexo de normas e de relações jurídicas unitariamente estruturadas e sedimentadas na ordem jurídica infra-constitucional ao longo de um certo processo de desenvolvimento histórico. Efectivamente, é só nesta modalidade que pode fazer sentido a invocação de garantia institucional que perpassa no pedido. Na verdade, o que a Constituição directamente elege como objecto de protecção enquanto
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