TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
82 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL com a Constituição do Massachusetts, a Comunidade pode negar as protecções, benefícios e obrigações conferidos pelo casamento civil a dois indivíduos do mesmo sexo que pretendam casar. Concluímos que não pode. A Constituição do Massachusetts afirma a dignidade e igualdade de todos os indivíduos. Proíbe a criação de cidadãos de segunda classe. Para chegar a esta conclusão tomámos em plena consideração os argumentos avançados pela Comunidade. Mas esta falhou quanto a identificar qualquer razão constitucio- nalmente adequada para negar o casamento civil aos casais homossexuais”. Mais recentemente, o Supremo Tribunal da Califórnia, nos casos In re Marriage , decididos em 15 de Maio de 2008, uma vez mais por uma maioria tangencial, veio reconhecer, pela segunda vez nos Estados Unidos da América (depois da decisão no caso Goodridge ), o direito constitucional dos homossexuais a casar. A questão que o Supremo Tribunal da Califórnia foi chamado a decidir, num Estado em que aos homos- sexuais são assegurados, através de um contrato de união entre pessoas do mesmo sexo designado « domestic partnership », essencialmente os mesmos direitos que o casamento proporciona aos heterossexuais, consiste em saber se «nestas circunstâncias, a não designação da relação oficial de um casal homossexual como casa- mento viola a Constituição da Califórnia». Para responder a esta questão o Tribunal apoia-se, por um lado, «na transformação fundamental e dramática na compreensão e tratamento jurídico dos indivíduos e casais homossexuais por parte deste Estado. A Califórnia repudiou as práticas e políticas do passado baseadas numa perspectiva comum que denegria o carácter geral e a moral dos indivíduos homossexuais e com base nas quais em dado momento se chegou a caracterizar a homossexualidade como uma doença, em vez de muito sim- plesmente uma das diversas variáveis da nossa comum e diversa humanidade». Actualmente, pelo contrário, reconhece-se que os indivíduos homossexuais têm «os mesmos direitos legais e o mesmo respeito e dignidade atribuídos a todos os outros indivíduos e são protegidos de discriminação na base da sua orientação sexual e, mais especificamente, reconhece[-se] que os indivíduos homossexuais são totalmente capazes de entrar numa relação comprometida e duradoura fundada no amor que pode servir como base de uma família e de tratar e educar responsavelmente crianças». Deve, todavia, notar-se que através de consulta popular, realizada em 4 de Novembro de 2008, foi aprovada a “ Proposition 8” que introduziu uma emenda à Constituição do Estado da Califórnia no sentido de consagrar o carácter heterossexual do casamento. E deve salientar-se que, se houve Estados que aprovaram legislação que estende o casamento civil às uniões entre duas pessoas do mesmo sexo, também se verificou uma reacção política adversa ao sentido desta corrente jurisprudencial, seja a nível federal, logo em 1996, com o Defense of Marriage Act ( DOMA) , através do qual se pretendeu afirmar a natureza heterossexual do casamento e garantir aos Estados a liberdade de regulação do matrimónio, seja através da alteração das próprias Constituições em diversos Estados, por forma a proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo bem como o reconhecimento de casamentos desse tipo permitidos noutros Estados (cfr. Duarte Santos, ob. cit. , pp. 187-201). No Canadá, o Governo colocou perante o Supremo Tribunal a questão da extensão do casamento civil a pessoas do mesmo sexo, na sequência de decisões de tribunais provinciais. Através da decisão Reference re Same-Sex Marriage , de 9 de Dezembro de 2004, o Supremo Tribunal do Canadá considerou que a extensão do direito ao casamento civil às pessoas do mesmo sexo não só era consistente com a Secção 15 da Carta de Direitos e Liberdades, mas dela resultava directamente. Referindo-se ao caso Hyde v. Hyde, de 1866, segundo o qual o «casamento, como compreendido na Cristandade, pode para este efeito ser definido como a união voluntária para a vida de um homem e uma mulher, com a exclusão de todos os outros”, o tribu- nal afirmou: “A referência à ´Cristandade´ é reveladora. Hyde dirigia-se a uma sociedade de valores sociais partilhados em que se pensava que o casamento e a religião eram inseparáveis. Este já não é o caso. O Canadá é uma sociedade pluralista. O casamento, na perspectiva do Estado, é uma instituição civil. O raciocínio dos ´conceitos petrificados´ é contrário a um dos mais fundamentais princípios da interpretação constitucional canadiana: aquele segundo o qual a nossa Constituição é uma árvore viva que, através de uma interpretação progressiva, acomoda e se dirige às realidades da vida moderna».
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