TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

72 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 35.º Ali deixou claro o legislador, e tal não seria possível sem arrimo constitucional, as características essenciais do casamento à luz do ordenamento jurídico português. 36.º Não existindo uma definição constitucional expressa do conceito de casamento, é forçoso concluir que a Lei Fundamental procedeu a uma recepção do “conceito histórico de casamento como união entre duas pessoas de sexo diferente” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, 4.ª edição, 2007, p. 568), ou seja, recortando este conceito como exigindo a diferenciação do sexo dos nubentes, mas sendo omisso quanto à sua orientação sexual. 37.º Independentemente de determinar a partir de que fonte ou fontes foi recebido na Constituição o conceito de casamento, e abstraindo até da questão de saber se essa recepção não teve por objecto um conceito pré ou meta- jurídico, coloca-se, pois, ao Tribunal Constitucional a questão de saber se a diferenciação do sexo dos nubentes não corresponde ao conceito de casamento – e, reflexamente, de família – acolhido na Lei Fundamental, desde a sua versão originária. 38.º Tal não significa, como está bem de ver, sustentar que o conceito constitucional de casamento se encontra “petrificado” ou tem de corresponder necessariamente ao conceito de casamento que o Código Civil recebeu, o que, no limite, tornaria inconstitucionais todas e quaisquer alterações introduzidas neste Código. 39.º O que deve ser clarificado é, isso sim, que elemento ou elementos do conceito de casamento integram – e têm de integrar – a noção de casamento, à luz da Constituição. 40.º Daí decorre também a interrogação, que se coloca ao Tribunal Constitucional, sobre o conteúdo e o alcance da noção constitucional de família, igualmente acolhida no artigo 36.º, n.º 1, de modo a indagar-se, agora numa outra vertente, da conformidade à Lei Fundamental da opção do legislador plasmada na nova redacção do artigo 1577.º do Código Civil. 41.º As considerações acima expendidas aplicam-se, mutatis mutandis , às demais normas que integram o objecto do pedido, ou seja, o artigo 1.º e o artigo 2.º do Decreto n.º 9/XI, este na medida em que confere nova redacção ao artigo 1591.º do Código Civil, bem como os artigos 4.º e 5.º do mesmo Decreto, sem prejuízo de se reconhecer a margem de liberdade conformativa do legislador na modulação do desvalor do casamento celebrado entre pessoas do mesmo sexo [artigo 1628.º, alínea e) , do Código Civil] e, igualmente, sem prejuízo de se reconhecer a natureza meramente acessória, instrumental e interpretativa do artigo 5.º do Decreto n.º 9/XI. 42.º Conclui-se, pois, que existem fundadas dúvidas sobre a constitucionalidade material das normas objecto do pedido, por violação do conteúdo essencial da garantia institucional ínsita no conceito de casamento acolhido pela Constituição. Ante o exposto, requer-se, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República, bem como do n.º 1, do artigo 51.º e n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a fiscalização preventiva de

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