TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

71 ACÓRDÃO N.º 121/10 27.º Assim, não será constitucionalmente admissível que o legislador, no uso da sua liberdade de conformação e tendo por objecto um conceito “aberto”, suprima, altere ou introduza novos elementos nesse conceito que o descaracterizemnaquilo que representa o seu núcleo essencial. De facto, como o Tribunal deixou bem claro no Acórdão n.º 590/04, não basta afirmar que o legislador goza, neste domínio, de uma ampla margem de confor- mação. É necessário explicitar o sentido e os limites dessa liberdade de conformação, sob pena de o seu exercício postergar o alcance da garantia institucional contida no n.º 1 do artigo 36.º da Constituição. Trata-se precisamente da explicitação do sentido e limites da liberdade de conformação do legislador neste domínio que, pelo presente pedido, se solicita seja realizada pelo Tribunal Constitucional. 28.º Com efeito, a liberdade de conformação do legislador não pode permitir a desfiguração do conceito consti­ tucional de casamento nem, tão pouco, constituir um “cheque em branco” ao legislador que lhe permita amputar alguma das suas características essenciais. 29.º No caso em apreço, do que se trata, na verdade, não é de uma mera alteração vocabular ou terminológi- ca, mas da eliminação de um dos elementos do instituto do casamento, o que sempre implica que o Tribunal Constitucional determine que características definidas no artigo 1577.º do Código Civil são, ou não, passíveis de supressão, sob pena de desfiguração do instituto em apreço. É essa determinação que, pelo presente pedido, se solicita que o Tribunal realize. 30.º A Constituição fornece, de resto, um adequado enquadramento da noção de casamento, no contexto da famí- lia, que vincula o intérprete, no âmbito de uma interpretação actualista mas também sistemática cujo resultado não pode abstrair, em absoluto, da literalidade da norma do artigo 36.º 31.º É o caso do disposto nas normas constitucionais do n.º 1 do artigo 67.º, n . os 1 a 4 do artigo 68.º e n.º 2 do artigo 71.º Em todos eles a referência à família se encontra associada à filiação, cujo papel se afigura central na instituição familiar, tal como consagrada na Constituição, devendo destacar-se, pelo seu conteúdo preceptivo, a salvaguarda dessa instituição prevista no artigo 36.º 32.º Não quer isto significar, naturalmente, que a Constituição estabeleça uma conexão necessária entre casamento e filiação. O regime jurídico do casamento actualmente em vigor desmente-o. Mas já será iniludível que a Consti- tuição protege a instituição casamento num contexto muito determinado. 33.º Por outro lado, é indesmentível que o conceito constitucional de casamento impregnou a ordem jurídica por- tuguesa com a sua força irradiante. 34.º É visível essa impregnação no artigo 1577.º do Código Civil, nos artigos 1601.º a 1604.º, relativos aos impe­ dimentos matrimoniais, em especial, aos impedimentos dirimentes absolutos e relativos, obstando ao casamento da pessoa a quem respeitam, entre outros, o casamento anterior não dissolvido, o parentesco na linha recta ou no segundo grau da linha colateral, ou na incriminação da bigamia, prevista e punida pelo artigo 247.º do Código Penal.

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