TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
70 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 22.º Ora, dispondo a Constituição portuguesa, no n.º 2 do artigo 16.º, que “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Uni- versal dos Direitos do Homem”, isto significa que a interpretação dos preceitos constitucionais sobre direitos fundamentaisnão deve ser feita, exclusivamente, com base na sua letra e no espírito da nossa Constituição. O que a norma constitucional portuguesa impõe ao intérprete é, pois, uma interpretação conforme com a Declaração. 23.º Mesmo reconhecendo que o legislador possui, neste domínio, de liberdade de conformação na definição dos elementos característicos do conceito legal de casamento, sempre deverá ter-se presente que essa discricionariedade legislativa não pode ser exercida de tal modo que desfigure a noção constitucional desse instituto. 24.º A existência constitucional do casamento enquanto instituição é expressamente reconhecida pela jurisprudência constitucional, designadamente pelo citado Acórdão n.º 359/09, tendo o Tribunal, no Acórdão n.º 590/04, afir- mado mesmo tratar-se de “uma verdadeira norma de garantia institucional”. No Acórdão acabado de citar, declarou o Tribunal Constitucional: “Importa, desde já, precisar o sentido da norma constitucional invocada. O artigo 36.º reconhece e garante diversos direitos relativos à família, ao casamento e à filiação. Seguindo de perto o ensinamento de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira […]: “São de quatro ordens esses direitos: a) direito das pessoas a constituírem família e a casarem-se (n.º 1 e n.º 2); b) direitos dos cônjuges no âmbito familiar e extrafamiliar (n.º 3); c) direitos dos pais, em relação aos filhos (n.º 2, in fine , e n . os 5 e 6); d) direitos dos filhos (n. os 4 e 5, 2.ª parte)”. Interessam-nos em particular os direitos mencionados na alínea a) . Quanto ao direito a casar, pode dizer-se que este comporta duas dimensões. Por um lado, consagra um direito fundamental, por outro, é uma verdadeira norma de garantia institucional. Como explicam Pereira Coelho e Guilherme Oliveira ( Curso de Direito da Família , vol.I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2001, p. 137): “Merece referência (...) a questão de saber se o artigo 36.º, n.º 1, 2.ª parte, concede apenas um direito funda- mental a contrair casamento ou, mais do que isso, é uma norma de garantia institucional. Embora a Constituição não formule de modo explícito um princípio de ´protecção do casamento´ (só a família é protegida no artigo 67.º), temos entendido que a instituição do casamento está constitucionalmente garantida, pois não faria sentido que a Constituição concedesse o direito a contrair casamento e, ao mesmo tempo, permitisse ao legislador suprimir a instituição ou desfigurar o seu ´núcleo essencial´. […] Aquilo que a Constituição garante é a liberdade individual de constituir família e de contrair casamento, bem como a existência da figura jurídica do casamento. Ou seja, a norma invocada como parâmetro prescreve apenas que o Estado deve garantir a existência do instituto jurídico do casamento e, ao mesmo tempo, abster-se de quaisquer comportamentos que impeçam ou dificultem o exercício dos referidos direitos por parte dos cidadãos”. 25.º Independentemente da natureza da protecção constitucional ao casamento, importa, pois, determinar o conteúdo mínimo do conceito constitucional de casamento. 26.º Na verdade, a maleabilidade dos conceitos constitucionais não pode ser irrestrita, tendo limites que decorrem da própria noção, semântica e institucional, que a Lei Fundamental acolheu, sob pena de, a não ser assim, a força normativa do texto constitucional ser irremediavelmente posta em causa.
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