TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

602 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL legais respeitantes ao regime e tratamento de receitas e despesas da campanha constitui condição necessária e suficiente para o preenchimento do tipo objectivo de ilícito; ii) por outro, a de que a violação de uma plura­ lidade de deveres integrantes desse regime constabilísitico ou a violação plúrima do mesmo dever genérico (isto é, através de ausências ou insuficiências de objecto diferenciado) não conduz ao reconhecimento de uma pluralidade de infracções, sendo ao invés recondutível à unidade comportamental representada pela «ausência ou insuficiência de discriminação e comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral» (aqui das referentes às eleições legislativas de Fevereiro de 2005) e descrita no artigo 31.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2003. O que acaba de dizer-se permite precisar a questão a que se procura aqui responder nos seguintes ter- mos: uma vez que a obrigação de reflectir nas contas de campanha entregues ao Tribunal Constitucional, quer despesas alegadamente suportadas com as acções de campanha ocorridas no Estado do Rio de Janeiro, quer as receitas que terão sido mobilizadas para lhes fazer face, se insere, de acordo com a própria qualificação jurídica seguida no despacho de promoção, no dever genérico de organização do regime contabilístico referido no artigo 12.º, n.º 1, bem como nos deveres estabelecidos nos n.º s 4 e 7 (que impõem a inclusão de todas as receitas da campanha nas respectivas contas), do mesmo artigo 12.º, aplicável por força do artigo 15.º, n.º 1, parte final, todos da Lei n.º 19/2003, e que a inobservância deste dever adquire, por seu turno, relevância contra-orde- nacional na medida em que traduza uma «ausência ou insuficiência de discriminação e/ou comprovação das receitas e despesas da campanha eleitoral das eleições legislativas de Fevereiro de 2005», será a responsabilidade contra-ordenacional associável ao alegado incumprimento daquela obrigação autonomizável daquela que foi formalizada já através do Acórdão n.º 417/07 ou, pelo contrário, apesar de corresponder a uma modalidade de execução da conduta típica não contemplada naquele julgamento, deverá considerar-se abrangida pelo efeito do caso julgado formado por este último Acórdão e, como tal, prejudicada por força do princípio ne bis in idem ? Atentemos no contexto dogmático em que o problema deve ser respondido. Segundo o disposto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa proíbe-se que alguém possa ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Este princípio, extensível às contra-ordenações por um argumento de identidade de razão, encontra-se neste domínio expressamente consagrado através do artigo 79.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 356/89, de 17 de Outubro e n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro). Sob a epígrafe «alcance da decisão definitiva e do caso julgado», dispõe-se aí o seguinte: 1 – O carácter definitivo da decisão da autoridade administrativa ou o trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o «facto» como contra-ordenação ou como crime precludem a possibilidade de reapreciação «de tal facto» como contra-ordenação. 2 – O trânsito em julgado da sentença ou despacho judicial que aprecie o facto como contra-ordenação pre- clude igualmente o seu novo conhecimento como crime. A propósito do significado da proibição contida no do n.º 5 do artigo 29.º da Constituição, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira escrevem o seguinte: «O n.° 5 dá dignidade constitucional ao clássico princípio non bis in idem . Também ele comporta duas dimen- sões: (a) como “direito subjectivo fundamental”, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais vio- ladores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como “princípio constitucional objectivo” (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto.

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