TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

558 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL não superior a cinco anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a cinco anos. Como a propósito se refere em acórdão do STJ (de 25 de Junho de 2008, proc. 1879/2008), “desde que não haja condenação em pena não superior a cinco anos de prisão, não incumbe ao STJ, por não se circunscrever no âmbito dos seus poderes de cognição, apreciar e julgar recurso interposto de decisão final do tribunal colectivo o do júri, que condene em pena não superior a cinco anos de prisão”; “o legislador, ao arredar da competência do Supremo o julgamento do recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa de liberdade, quis implicitamente significar, de harmonia com o artigo 9.º do Código Civil, na teleologia e unidade do sistema quanto a penas privativas de liberdade, que [...] apenas é admissível recurso de acórdão da relação para o Supremo quando a relação julgar recurso de decisão do tribunal colectivo ou do júri, em que estes tivessem aplicado pena superior a cinco anos de prisão”. É, pois, neste círculo hermenêutico que têm de ser interpretadas as normas do artigo 400.º, n.º 1, do CPP, quando determinam a irrecorribilidade (e, por autonomia, a recorribilidade) das decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação. Desde logo a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º, que prevê a irrecorribilidade das decisões proferidas em recurso pela Relação, que apliquem pena não privativa de liberdade. A formulação da norma constava da Proposta de Lei n.º 109/X ( Diário da Assembleia da República , II Série, n.º 31, de 23 de Dezembro de 2006) em termos diversos (“são irrecorríveis” os acórdãos proferidos, em recurso, pela Relação, “que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos”), adaptando por compara- ção com a anterior formulação e para os casos aí previstos, o critério da “pena aplicada” em lugar da “pena aplicável ao crime” [Os Projectos de Lei n.º 237/X, in Diário da Assembleia da República , II Série, n.º 100, de 6 de Abril de 2006; 368/X, 369/X e 370/X, in Diário da Assembleia da República , II Série, n.º 52, de 9 de Março de 2007 não previam qualquer alteração para a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º]. A redacção final foi votada, após proposta oral do PS (com a abstenção dos restantes Partidos), em última leitura no Grupo de Trabalho da Comissão Parlamentar, ficando a expressão constante da redacção fixada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto – “que apliquem pena não privativa de liberdade”. O Relatório dos trabalhos preparatórios, de 18 de Julho de 2007, fixando a alteração na sequência da “proposta oral”, não deixa qualquer traço de fundamentação que justifique o desvio em relação ao primeiro texto proposto e a consequente “descontinuidade metodológica”. E, assim, também não deixa massa crítica nos procedimentos que permita obter deduções, com o peso de probabilidade necessário, sobre a vontade ou a intenção de legislador. Isto é, não parece possível determinar se a formulação final e votada da norma constitui um “acidente” na metodologia da formação normativa, ou uma expressão concreta, firme e pensada da vontade do legislador. A conclusão que poderá ser extraída de todo o processo legislativo, tal como deixou traço, será a de que se não manifesta nem revela uma intenção, segura, de alteração do paradigma que vem já da revisão do processo penal de 1998: o STJ reservado para os casos mais graves e de maior relevância, determinados pela natureza do tribunal de que se recorre e pela gravidade dos crimes aferida pelo critério da pena aplicável. É que, no essencial, esta modelaçãomantém-se no artigo 432.º do CPP, e se modificação existe, vai ainda no sentido da restrição: o critério da pena aplicada conduz, por comparação com o regime antecedente, a uma restrição no acesso ao STJ. Não sendo razoavelmente possível, pelos elementos objectivos que o processo legislativo revela, identificar a vontade do legislador no sentido de permitir a conclusão de que na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP disse mais do que quereria, não parece metodologicamente possível operar uma interpretação restritiva da norma. Porém, a norma, levada isoladamente ao pé da letra, sem enquadramento sistémico, acolheria solução que é directamente afastada pelo artigo 432.º, n.º 1, alínea c) , produzindo uma contradição intrínseca que o equilíbrio normativo sobre o regime dos recursos para o STJ não pode comportar.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=