TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
552 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o imóvel que este, na execução principal, foi forçado a desocupar, não só não tinha a recorrente o direito a habitar no locado como, pelo contrário, era sua obrigação proporcionar ao recorrido, como decorria das obrigações contratualmente assumidas, o respectivo gozo, para o mesmo fim habitacional. É que, estando em causa o exercício de um direito fundamentado e não livre de denúncia, com claras repercussões no direito do inquilino em permanecer, com garantia constitucionalmente tutelada de estabili- dade, na habitação locada, cumpre ao senhorio alegar e provar que se verificam os requisitos previstos na lei e, nuclearmente, a necessidade do locado para a sua própria habitação (artigo 1102.º do CC). Como bem sublinhou o acórdão recorrido, só com tal demonstração em juízo, é possível equacionar o conflito de interesses habitacionais concorrentes entre locador e locatário e resolvê-lo, como imposto por lei e consentido pela Lei Fundamental, em favor do primeiro. E é indiferente que, durante a pendência da acção de despejo, a recorrente se encontre a habitar o locado, atenta a génese ilegal ou injusta de tal situação de facto, face ao reconhecimento judicial da validade e vigência do contrato de arrendamento. Com efeito, ainda que se perspective no direito constitucional à habitação uma dimensão negativa, análoga à dos direitos, liberdades e garantias, como sustentado pela recorrente (neste sentido expresso, apenas se pronunciou o Acórdão n.º 101/92, com duas declarações de voto divergentes), comportando também «o direito de não ser arbitrariamente privado da habitação», a verdade é que, como é bem ver, não são inconsti- tucionalmente irrelevantes as circunstâncias de facto que estiveram na origem da própria apropriação mate- rial do espaço habitacional pela pessoa que invoca um tal direito fundamental. Assim, quando a lei reconhece ao arrendatário habitacional o direito de permanecer no locado fá-lo porque lhe reconhece um título legítimo de origem contratual; do mesmo modo, quando impõe a este que desocupe o locado para que o locador possa aí passar a residir, por dela comprovadamente necessitar, fá-lo porque reconhece a este os poderes de uso e fruição que integram o conteúdo do seu direito de propriedade; e a conformação constitucional das opções legais em matéria de arrendamento urbano, de pendor mais ou menos vinculístico, assentam no pressuposto básico de que locador e locatário são titulares de interesses que, apesar de potencialmente conflituantes, são ambos merecedores da tutela do direito. Ora, no caso vertente, a recorrente recuperou a posse do imóvel, sua propriedade, em execução que veio a ser julgada extinta por efeito da procedência do embargos de executado deduzidos pelo inquilino, que neles fez prova de que, afinal, tinha o direito, contratualmente fundado, de habitar o locado que foi forçado a desocupar, recaindo sobre a exequente a correspondente obrigação contratual. Face à existência, reconhecida por sentença transitada, de um contrato de arrendamento válido e em vigor, cujos efeitos obrigacionais subsistem até que a senhoria demonstre, na competente acção, que tem o direito de denúncia para habitação, é de concluir que é materialmente ilegítima, também sob o ponto de vista constitucional, a própria vivência no espaço habitacional que a recorrente pretende ver protegida duran te a pendência de tal acção declarativa. Assim configuradas as coisas, não se afigura inconstitucional a interpretação que, considerando justamente irrelevante o facto de a executada-senhoria se encontrar a habitar o locado, manda prosseguir a execução instaurada pelo exequente-inquilino, com a consequente entrega coerciva do locado a este último, apesar do facto de aquela ter instaurado acção de despejo, com fundamento no direito de denúncia do locado para sua habitação própria, ainda pendente.
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