TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

551 ACÓRDÃO N.º 168/10 E é precisamente sob esta perspectiva que a recorrente pretende ver resolvida a questão de constitu­ cionalidade por si suscitada no presente recurso. Com efeito, partindo da premissa de que a denúncia por si exercida, na respectiva acção de despejo, apesar de ainda não judicialmente validada, operou decorridos seis meses sobre a instauração desta, sus- tenta a recorrente que, estando em causa a própria necessidade de habitação do senhorio/proprietário, deve o respectivo direito à habitação própria, constitucionalmente tutelado, prevalecer «se necessário contra o direito do inquilino ao uso da mesma casa» (conclusão 9.ª). Tal linha de argumentação padece, contudo, de dois vícios de raciocínio. Primeiro, não é verdade que a denúncia fundada na necessidade do prédio para habitação opere decor- ridos seis meses sobre a data da instauração da acção de despejo com tal fundamento. Com efeito, a exigência, imposta pelo n.º 1 do artigo 1103.º do CC, no sentido de que a denúncia pelo senhorio, com qualquer dos fundamentos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 1101.º do mesmo Código, seja feita nos termos da lei de processo «com antecedência não inferior a seis meses sobre a data pretendida para a desocupação», embora fundada no pressuposto inverosímil de que a acção de despejo terminará nesse prazo, não parece comportar tal sentido interpretativo. O que apenas se pretende, com tal exigência temporal, é impor ao senhorio, mesmo nos casos de denúncia fundamentada, um prazo mínimo de aviso prévio, de modo a que o inquilino, apesar da justiça material de decisão de despejo, não seja confrontado com a possibilidade de ser subitamente despejado sem que tenha tido tempo para deslocalizar o seu centro de vida para outro lugar e domicílio. O efeito extintivo da denúncia, caso a acção de despejo venha a ser julgada procedente, apenas operará, contudo, com a própria sentença que, com tal fundamento, o decrete, assumindo esta, como é sabido, um alcance claramente constitutivo. É que, além do mais, deixou de vigorar a regra prevista no artigo 53.º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU) – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, entretanto revogado – segun­ do a qual quando o senhorio pretende fazer cessar o arrendamento, nos casos em que a lei o permita, deve interpelar a outra parte, fazendo-se a interpelação, quando seja exigida acção judicial, através da citação, cujo efeito substantivo era precisamente, de acordo com o regime então vigente, a cessação do arrendamento (artigos 52.º, n.º 1, e 54.º, n.º 1, do RAU). À luz deste regime pretérito, os efeitos processuais e substantivos da denúncia reportavam-se, pois, ao momento da citação do arrendatário para a acção de despejo, retroagindo os efeitos do caso julgado, atenta a sua eficácia retroactiva, a tal momento prévio. Não é, contudo, este o regime vigente e aplicável ao caso vertente. Por outro lado, também não é sustentável considerar, como pretende a recorrente, que à data da oposição à execução por si deduzida, fosse já titular do direito à habitação de que se arroga, por via do exercício, pela forma e prazo legais, do direito de denúncia fundado na necessidade do locado para sua habitação própria. Na verdade, por força da sentença, transitada, que julgou procedentes os embargos de executado dedu- zidos pelo ora recorrido e reconheceu a existência de um contrato de arrendamento válido e em vigor sobre

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