TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
550 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL É certo que, desde então, o legislador, porque também não está a tal constitucionalmente obrigado, tem vindo gradualmente a deixar de fazer uso dessa possibilidade tida como constitucionalmente legítima de garantir o direito à habitação (do locatário) mediante a adopção de medidas legislativas objectivamente restritivas do direito de propriedade do locador; mais, tem mesmo (re)introduzido mecanismos de igualação da posição do senhorio e do inquilino tendentes a conferir ao contrato de arrendamento e, designadamente ao destinado à habitação do locatário, a feição original de um espaço de exercício da liberdade contratual. Assim, com a reforma operada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, passou também a reconhecer- -se ao senhorio, mesmo nos arrendamentos habitacionais, o direito de se opor à renovação do contrato (nos contratos com prazo certo) ou de denunciá-lo de forma não fundamentada (nos contratos de duração indeterminada) e, desse modo, recuperar a sua liberdade de utilizar o imóvel dado de arrendamento [artigos 1096.º, n.º 2, e 1101.º, alínea c) , do CC]. Ponto é que, no primeiro caso, a declaração de oposição à renovação se faça com uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato (artigo 1097.º do CC), e que, no segundo caso, a comunicação de denúncia se efectue com uma antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que se pretenda a ces- sação e seja confirmada com uma antecedência máxima de quinze meses e mínima de um ano sobre a data da sua efectivação [artigos 1101.º, alínea c) , e 1014.º do CC]. Conferiu-se, pois, inovatoriamente, ao senhorio, também nos contratos de duração indeterminada, um direito de denúncia livre ou não fundamentado apenas sujeito a um prazo de pré-aviso e confirmação. Manteve-se, contudo, paralelamente, a figura da denúncia justificada ou fundamentada na necessidade de habitação do senhorio, já antes excepcionalmente reconhecida ao senhorio, desde a década de 50, face à regra geral que lhe vedava o direito de se opor à continuação do vínculo locatício. Ora, ainda no contexto da afirmação legal de um tal princípio da prorrogação forçada do contrato de arrendamento, não hesitou o Tribunal Constitucional em afirmar a legitimidade constitucional, à luz do dis- posto no mesmo artigo 65.º da CRP, do direito excepcional de denúncia, pelo senhorio, com tal fundamento (necessidade para habitação): «(…) é indubitável que as normas que reconhecem ao senhorio o direito de denúncia do contrato de arrenda- mento, quando aquele necessitar do prédio para habitação, desde que se verifiquem os requisitos – bem rigorosos e apertados – indicados no artigo 1098.º do Código Civil, não infringem aquele preceito constitucional. «Com efeito, as normas do Código Civil respeitantes à denúncia do contrato de arrendamento para habitação pelo senhorio, com fundamento na necessidade deste em utilizar o prédio para sua habitação, visam resolver um conflito entre o direito à habitação do senhorio e o direito à habitação do inquilino. Em face desse conflito, a lei atribui preferência ao direito à habitação do senhorio – o qual se fundamenta no direito de propriedade sobre o prédio urbano, direito esse garantido pelo artigo 62.º, n.º 1, da Constituição – sobre o direito a habitação do inqui- lino – o qual se baseia no contrato de arrendamento urbano, que é obrigatoriamente renovável nos termos da lei. «Ora, é perfeitamente legítimo, sob o ponto de vista constitucional, que, na hipótese de colisão entre aqueles dois direitos à habitação – um (o do senhorio) alicerçado no direito fundamental de propriedade privada, com as- sento na Constituição, e outro (o do arrendatário) baseado no contrato – o legislador dê primazia ao do senhorio.» (Acórdão n.º 131/92, publicado in Diário da República n.º 169, de 24 de Julho de 1992; cfr., no mesmo sentido, entre outros, o citado Acórdão n.ºs 151/92, os Acórdão n.ºs 174/92 e 4/96, publicados in Diário da República , II Série, n.ºs 216, de 12 de Setembro de 1992, e 101, de 30 de Abril de 1996, respectivamente).»
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