TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

549 ACÓRDÃO N.º 168/10 II — Fundamentação 2. Deve começar por dizer-se, como ponto prévio, que, à semelhança do que este Tribunal teve já oportunidade de afirmar noutras ocasiões (cfr., entre outros, Acórdãos n. os 322/93, 223/95 e 121/97, publi­ cados in Diário da República , II Série, de 29 de Outubro de 1993, 27 de Junho de 1995 e de 30 de Abril de 1997, respectivamente), que não se justifica apreciar a eventual desconformidade entre as questionadas normas de direito interno, na interpretação adoptada pelo acórdão recorrido, e a invocada disposição do artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na parte em que assegura o direito ao domicílio, quando é certo que nada se diz neste preceito que se não contenha na CRP, designadamente no artigo 65.º, que figura já como parâmetro de constitucionalidade. Analisar-se-á, pois, apenas, a questão da inconstitucionalidade das normas dos artigos 1101.º do Código Civil e do artigo 814.º, alínea g) , do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual a mera denúncia do contrato de arrendamento não tem qualquer relevância jurídica para fundamentar a oposição à entrega da casa pelo senhorio-denunciante que já esteja de facto na posse dessa casa, por alegada violação dos artigos 62.º e 65.º da CRP. É sabido que um dos traços que mais marcantemente caracteriza o «arrendamento vinculístico» consiste no facto de o senhorio, contrariamente ao arrendatário, não gozar, em princípio, do direito de denúncia do contrato de arrendamento, isto é, na terminologia adoptada na versão originária do Código Civil, do direito de se opor à sua renovação no termo do prazo (inicial ou sucessivo) convencionado ou fixado por lei. Esta solução, por constituir um claro desvio ao princípio da liberdade contratual, foi originariamente consagrada como transitória, num contexto de crise subsequente à Primeira Grande Guerra; manteve- -se, contudo, vigente, ao longo do tempo, convertendo-se de excepção em princípio geral (princípio da prorrogação forçada do contrato de arrendamento) digno de expressa consagração no Código Civil de 1966 (artigo 1095.º). E o que justificou a permanência no tempo de um tal regime restritivo foi o reconhecimento de que, para lá das razões conjunturais que aconselhavam a adopção de medidas tendentes a garantir a subsistência do arrendamento, estava em causa a garantia de um espaço vital de realização humana objecto de expressa tutela constitucional: o direito à habitação. Assim é que, apesar de sublinhar a natureza positiva de um tal direito fundamental, concebido nuclearmentecomo um «direito a prestações» cujo sujeito passivo é, antes de mais, o Estado, não deixou este Tribunal de afirmar, em jurisprudência retomada em sucessivos acórdãos, a legitimidade constitucional das «normas que subtraem o contrato de arrendamento para habitação à regra da liberdade contratual e o submetem à regra da renovação automática e obrigatória»: «(…) fundando-se o direito à habitação na dignidade da pessoa humana (ou seja, naquilo que a pessoa real- mente é – um ser livre com direito a viver dignamente), existe aí um mínimo que o Estado sempre deve satisfazer. E para isso pode, até, se tal for necessário, impor restrições aos direitos do proprietário privado. Nesta medida, também o direito à habitação vincula os particulares, chamados a serem solidários com o seu semelhante (princípio da solidariedade social); vincula, designadamente, a propriedade privada, que tem uma função social a cumprir. (…)» (Acórdão n.º 151/92, publicado in Diário da República , II Série, n.º 172, de 28 de Julho de 1992; cfr., ainda, entre outros, os Acórdãos n.ºs 311/93 e 420/00, publicados in Diário da República , II Série, n.ºs 170, de 22 de Julho de 1993, e 270, de 22 de Novembro de 2000, respectivamente)».

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