TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

548 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 7.ª - A prolação da sentença corresponde ao exercício de uma actividade jurisdicional que em nada depende da recorrente, a qual todavia fez a denúncia nos termos da lei do processo do contrato de arrendamento que o tribunal decretara subsistir não obstante a ora recorrente e os demais herdeiros de seu marido terem invocado, como era sua convicção, que aquele contrato de arrendamento caducara há vários anos. 8.ª - O direito à habitação consagrado na Constituição tem de ser entendido além do mais como direito fun- damental de carácter social, análogo a direitos, liberdades e garantias, na medida em que não pode deixar de tutelar os cidadãos contra a privação arbitrária de habitação ou contra o impedimento na obtenção de uma habitação. 9.ª - É este claramente um caso flagrante desta natureza, em que o Estado consagra o direito à habitação própria, fazendo prevalecer legislativamente tal direito se necessário contra o direito do inquilino ao uso da mesma casa, daí resultando que nesse conflito de interesses e por determinação legal prevalece o direito do senhorio/ proprietário se estiver em causa a sua própria necessidade de habitação. 10.ª - Sendo tão óbvio o sentido da opção legislativa e estipulando a Lei que o senhorio pode denunciar o contrato em caso de necessidade de habitação pelo próprio e que a denúncia é feita nos termos da lei do processo, resulta claramente violado o direito à habitação do senhorio proprietário se o artigo 1101.º do Código Civil for interpretado no sentido de que a propositura e pendência da correspondente acção de despejo pelo senhorio que já se encontra de facto a habitar a casa, não constitui por si só denúncia do contrato, só se considerando como tal a sentença que validará a denúncia. 11.ª - Uma tal interpretação do disposto no artigo 1101.º do Código Civil viola o disposto nos artigos 62.º e 65.º da Constituição da República. 12.ª - A recorrente invocou como facto modificativo ou extintivo da sua obrigação de entrega, ao abrigo do disposto no artigo 814.º, alínea g) , do Código do Processo Civil ter já denunciado o contrato de arrendamento para habitação própria com a antecedência necessária de despejo, mas o Mm° Juiz considerou que esse facto não tem relevância jurídica para fundamentar a oposição e que só terá a sentença que venha a ser proferida quanto ao pedido de despejo. 13.ª - Esta interpretação desprotege e viola arbitrariamente o seu direito ao domicílio e à respectiva estabili- dade, que lhe são garantidos pelos artigos 8.º da CEDH e pelo artigo 8.º da Constituição da República. 14.ª - Efectivamente, a recorrente encontra-se a viver desde há mais de seis anos na única casa de que é proprie­ tária e que constitui o seu domicílio, e requereu em devido tempo ao tribunal o reconhecimento do seu direito à cessação de um contrato de arrendamento do mesmo local a favor de terceiro. 15.ª - Só porque o tribunal ainda não validou definitivamente a denúncia não obstante já terem decorrido os prazos estabelecidos para o efeito na lei do processo, não lhe poderá ser imposta coercivamente a privação de tal domicílio – no mínimo a sua expulsão temporária dele. 16.ª - O domicílio de uma pessoa – de mais a mais uma pessoa de idade avançada e sozinha – estabelecido na única casa de que é proprietária e onde vive rodeada das pequenas coisas que constituem o seu mundo, é uma realidade protegida, um habitat cuja privação e devassa consequentes da sua entrega forçada a terceiros que neste momento são apenas titulares de um direito virtual de uso, ainda que se trate de uma expulsão temporária, atentam contra o seu direito fundamental à habitação e ao domicílio. 17.ª - A interpretação contrária do artigo 814.º, alínea g) , do CPC conjugado com o disposto no artigo 1101.º, n.º 1, do Código Civil, constante da decisão recorrida, viola o disposto nos artigos 8.º da CRP e 8.º da CEDH. 18.ª - Devendo ser julgadas inconstitucionais as normas dos artigos do Código Civil e do Código (de Processo) Civil supra interpretadas na interpretação que o tribunal a quo delas fez.» O recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado. Cumpre apreciar e decidir.

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