TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

542 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL escolha da modalidade de venda e de fixação do preço base, por apenas desse modo se lograr a cobrança de impostos para a prossecução do interesse público. Ao apreciar a norma do n.º 1 do artigo 300.º do Código de Processo Tributário, entretanto já revogado, que previa como regra a impenhorabilidade de bens penhorados em execução fiscal, o Tribunal Constitu- cional julgou-a inconstitucional por violação da garantia do direito do credor à satisfação do seu crédito conjugadacom o princípio da proporcionalidade (vide Acórdão n.º 494/94, já atrás referido). Importa observarque a norma em causa não determinava, só por si, a impossibilidade de satisfação do crédito do cre- dor comum, apenas aumentava o risco de o mesmo ver o seu crédito satisfeito. Dito de outro modo, o sacrifí- cio imposto pelo legislador atingia a posição jusfundamental apenas numa zona sensivelmente próxima dos seus limites externos. Simplesmente, o Tribunal entendeu que, do mesmo modo, a vantagem que a norma em causa trazia para a realização do interesse público de celeridade do processo de execução fiscal e de garan- tia de cobrança das dívidas através do foro fiscal com prevalência total sobre a de quaisquer créditos comuns era de tal modo irrelevante, que não podia servir para justificar um regime que fazia impender sobre o cre- dor comum o risco de ver totalmente frustrada a possibilidade de satisfação do seu crédito. A ponderação é efectuada, portanto, através do confronto entre a intensidade do sacrifício imposto à posição jusfundamental e a necessidade e vantagem para o interesse público resultante desse mesmo sacrifício. Também a norma sub judicio , ou seja a dispensa do dever de audição prévia dos credores reclamantes com garantia real, não compromete, só por si, o direito de satisfação do crédito. Com efeito, a execução não deixa de prosseguir e a venda não deixa de ser realizada, podendo, aliás, os credores reclamantes com garantia real preceder o próprio Estado na satisfação do seu crédito, consoante a graduação verificada. Pode, assim, afirmar-se que, tal como no caso que vimos de analisar, o direito do credor à satisfação do seu crédito é aqui atingido com pouca intensidade. Também aqui a norma apenas vem aumentar o risco de insatisfação do crédito do credor reclamante com garantia real. De modo a analisar em que se traduz, rigorosamente, esse aumento do risco, importa começar por fazer uma distinção entre a audição prévia dos credores reclamantes com garantia real para efeitos de escolha da modalidade de venda e a sua audição para efeitos de determinação do valor base do bem para a venda. No que respeita à escolha da modalidade de venda, não se verifica, num primeiro momento, qualquer aumento do risco de insatisfação do crédito dos credores reclamantes com garantia real imputável à não realização da audição prévia. Com efeito, resulta do facto de o artigo 248.º do CPPT estabelecer, como regime regra, a venda por meio de propostas em carta fechada, que não é conferida à Administração Fiscal qualquer dis- cricionariedade na escolha da modalidade de venda, revelando-se, portanto, para esse efeito, desprovida de qualquer efeito útil a eventual audição prévia dos credores reclamantes com garantia real. Porém – e como já se viu supra, ponto 8 – decorre do regime legal [alínea a) do n.º 1 do artigo 252.º do CPPT] que sempre que se vir frustrada a venda por propostas em carta fechada por no dia designado para a abertura de propos- tas se verificar a inexistência de proponentes ou a existência apenas de propostas de valor inferior ao valor base anunciado, a venda há-de efectuar-se por outra das modalidades previstas no CPC, cabendo a escolha à Administração Fiscal. Tal significa que, nessa hipótese, a audição prévia dos credores reclamantes com garan- tia real não é de todo inconsequente. No que respeita à determinação do valor base do bem para a venda, a lei, na versão anterior à alteração introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, atribui ao órgão da execução fiscal competência para fixar o valor base para a venda [alínea a ) do n.º 1 do artigo 250.º], o que significa que a eventual audição prévia dos credores reclamantes com garantia real não é, também aqui, desprovida de utilidade. Conclui-se, portanto, que o aumento do risco de insatisfação do crédito dos cre- dores reclamantes com garantia real decorre do facto de não serem ouvidos tanto para efeitos da escolha da modalidade de venda como para efeitos da determinação do valor base do bem para a venda. Simplesmente, não basta a conclusão, segundo a qual se verifica in casu um aumento do risco de insatisfação do crédito, para com isso se dar por verificada a inconstitucionalidade, por cumprimento insufi- ciente ou deficitário dos deveres de prestação normativa que impendem sobre o legislador ordinário nos ter- mos, já analisados, do princípio decorrente do artigo 2.º da CRP. Como se afirmou anteriormente, o direito

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