TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

541 ACÓRDÃO N.º 166/10 13. Sobre o que seja o princípio da “proibição do deficit ”, ou da “proibição da insuficiência”, e sobre as cir- cunstâncias apertadas em que pode o juiz constitucional censurar uma medida legislativa por esta se mostrar, face a deveres estaduais de protecção ou de prestação de normas, deficitária ou insuficiente, já se pronunciou com clareza o Tribunal. No Acórdão n.º 75/10, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, ocupou‑se o Tribunal da dogmática geral dos imperativos jurídico‑constitucionais de protecção, já que estavam então em causa deveres de normação, impendentes sobre o legislador ordinário, destinados a proteger bens jus- fundamentais face a potenciais agressões provindas de terceiros. No presente caso, estamos perante deveres de normação impendentes sobre o legislador ordinário, dirigidos a garantir o cumprimento de bens jus- fundamentais através da instituição de organizações e procedimentos. Em ambas as situações, o juízo de inconstitucionalidade só poderá ser emitido se se provar que o legislador cumpriu insuficientemente, ou deficitariamente, o dever de prestação de normas a que estava vinculado. Basicamente, poderá considerar-se que existe um deficit inconstitucional de protecção (ou de prestação normativa), quando as entidades sobre as quais recai o dever de proteger adoptam medidas insuficientes para garantir a protecção adequada às posições jusfundamentais em causa, sendo que tal sucede sempre que se verificar um duplo teste: (i) sempre que se verificar que a protecção não satisfaz as exigências mínimas de eficiência que são requeridas pelas posições referidas; (ii) cumulativamente, sempre que se verificar que tal não é imposto por um relevante interesse público, constitucionalmente tutelado. (Neste sentido, e quanto à dogmática geral dos imperativos jurídico-constitucionais de protecção, veja-se o já citado Acórdão n.º 75/10, ponto 11.4.3). Para que se saiba se a protecção adoptada satisfaz ou não as exigências mínimas de eficiência requeridas pelas posições jusfundamentais em causa necessário é que se tenha em conta a intensidade do perigo ou do risco de lesão que pode resultar, para as referidas posições, da medida legislativa sob juízo. Por seu turno, para que se saiba se tal risco de lesão é ou não justificado, em ponderação, por motivos constitucionais relevantes, necessário é que se identifiquem os bens jurídicos e interesses contrapostos às referidas posições, e se decida se, na escolha do legislador, foi ou não sobreavaliado o seu peso (Acórdão n.º 75/10, loc. cit. ). 14. Assim, e seguindo a metodologia atrás definida, importa, desde logo, identificar qual o valor constitucionalmente protegido que possa estar em conflito com o direito do credor à satisfação do seu crédito e, uma vez identificado este, proceder a um juízo da razoabilidade da ponderação, efectuada pelo legislador ordinário, entre os direitos e ou valores em conflito. A sentença recorrida louva-se no acórdão do STA de 28 de Março de 2007, proc. n.º 026/07, que justifica a dispensa de audição prévia dos credores reclamantes com garantia real a partir das características próprias do processo de execução fiscal. O princípio da celeridade nessa forma de processo – por estar em causa a cobrança de receitas tributárias que visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da Lei Geral Tributária – requereria, ele próprio, a dispensa de audição. Conforme resulta de jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional, “[o] legislador [não está] impe­ dido de tutelar os créditos do Estado de forma mais intensa, quer no plano substantivo, através da criação de garantias reais, quer no plano adjectivo, através de formas processuais adequadas que respeitem o núcleo essencial do direito de propriedade” (nesse sentido, não obstante aí se ter concluído pela violação do n.º 1 do artigo 62.º, Acórdão n.º 516/94). É o que sucede no caso dos autos, em que por razões relacionadas com a necessidade de celeridade na cobrança de impostos para a prossecução do interesse público o legislador, de acordo com a interpretação do direito infra-constitucional adoptada na sentença do tribunal a quo , prescinde da audição prévia dos credores reclamantes com garantia real. Assim identificado o valor constitucionalmente protegido, importa então proceder a uma ponderação entre a intensidade do sacrifício imposto ao direito do credor à satisfação do seu crédito e a necessidade da dispensa, em execução fiscal, da audição prévia de credores reclamantes com garantia real para efeitos de

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