TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

540 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL aos direitosreais menores, alguma tutela reservará a garantia constitucional da propriedade aos chamados “direitos de crédito”. O conteúdo concreto que, nos diferentes momentos históricos, adquirem estes direitos é no entan- to conformado pela lei ordinária e não pela Constituição. Assim, e como o Tribunal tem esclarecido em jurisprudência também ela constante – vejam-se, entre outros, os Acórdãos n.ºs 340/91, 494/94, 516/94, para além dos já citados Acórdãos n.ºs 273/04 e 620/04 –, no âmbito de protecção da norma constitucional relativa à garantia do património privado não se contém o direito de crédito em si mesmo considerado, mas tão somente o direito do credor à satisfação do seu crédito, direito esse que se traduz na possibilidade de exigir, em caso de inadimplência, a realização coactiva do crédito à custa do património do devedor. 12. Por imperativo constitucional que decorre, desde logo, do princípio do Estado de direito, está o legislador ordinário vinculado a conformar os processos de execução comum e de execução fiscal de modo tal que, através de ambos, se atinjam os fins de realização do direito e de efectiva garantia de exercício dos direitos. É certo que os dois tipos de processo (de execução comum e de execução fiscal) se distinguem en- tre si por assinaláveis diferenças de natureza (cfr. supra, ponto 10). Como se disse no Acórdão n.º 263/02, “[n]ão se vislumbrando qualquer composição de interesses no acto de instauração da execução pelos serviços da Administração Fiscal, não pode naturalmente aceitar-se a sua natureza materialmente jurisdicional”, pelo que o processo de execução fiscal envolverá “uma actividade que se enquadra ainda no exercício da função tributária” assumindo por isso fundamentalmente um carácter administrativo, “sem deixar de se reconhecer que esse processo comporta, em todo o caso, momentos claramente jurisdicionais.” ( Diário da República, II Série, n.º 262, 13 de Novembro de 2002, p. 18 789). Contudo, e não obstante estas assinaláveis diferenças de natureza – que explicam que o processo de execução fiscal não possa ser considerado um processo judicial “puro” –, o que é claro é que através da conformação deste último, tal como através da conformação do processo de execução comum, estará sempre o legislador ordinário vinculado a adoptar procedimentos justos e adequados de acesso ao direito e de realização do direito: quanto mais não seja, e independentemente da natureza de que se revista o concreto procedimento em causa, tal vinculação decorrerá inquestionavelmente do princípio consagrado no artigo 2.º da CRP. Ora, sendo a realização do direito determinada pela conformação jurídica dos processos e dos procedi- mentos, tal conformação corresponderá a um dever do legislador, que terá que ser cumprido – ainda de acor- do com os imperativos constitucionais inscritos no artigo 2.º - com observância das exigências decorrentes quer do princípio da proibição do excesso quer do princípio da proibição do deficit ou da insuficiência. Com efeito, e como o Tribunal tem sempre dito (vejam-se a este propósito os Acórdãos n.ºs 205/00 e 491/02), o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, enquanto princípio vinculativo das acções de todos os poderes públicos, decorre antes do mais das próprias exigências do Estado de direito a que se refere o artigo 2.º da Constituição, por ser consequência dos valores de segurança nele inscritos. Como se sabe, o que através dele se pretende é evitar cargas coactivas excessivas ou ingerências desmedidas na esfera jurídica dos particulares (assim mesmo, J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constitu­ ição, Almedina, 7.ª edição, p. 273). No entanto, tal como do princípio do Estado de direito decorre o imperativo constitucional de proibição do excesso , também do mesmo princípio decorre a proibição da insuficiência ou do deficit : é tão censurável, para a perspectiva constitucional, que o legislador imponha cargas excessivas aos particulares, quanto o é que adopte medidas insuficientes para proteger ou garantir a realização dos seus direitos, caso decorra da Constituição um dever de legislar em ordem a essa protecção ou realização. (Canotilho, op. et loc. cits. ) Como vimos, a conformação dos processos de execução comum e fiscal corresponde ao cumprimento de um dever de legislar, que merecerá assim censura constitucional se vier a ser cumprido ou de forma excessiva ou de modo insuficiente ou deficitário.

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