TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

54 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL inviolabilidade do seu domicílio – n.º 2 do artigo 34.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 12.º da Constituição» como aflora o requerente no seu pedido. O Tribunal tem já jurisprudência firmada quanto à extensão às pessoas colectivas da protecção conce- dida às pessoas físicas no que respeita à tutela da intimidade privada. Estabeleceu-se no Acórdão n.º 593/08: «A susceptibilidade, em princípio, de extensão da tutela da privacidade às pessoas colectivas, não implica, pois, que ela actue, nesse campo, em igual medida e com a mesma extensão com que se afirma na esfera da titularidade individual. Dessa tutela estarão excluídas, forçosamente, as dimensões nucleares da intimidade privada, que pres- supõem a personalidade física.» Relativamente à não extensão da protecção concedida constitucionalmente ao domicílio das pessoas físicas às pessoas colectivas os argumentos apontados pelo citado Acórdão foram os seguintes: « A apreciação do eventual desrespeito desta disposição requer, como questão prévia, a definição rigorosa do objecto da inviolabilidade do domicílio. O que deve entender-se, para este efeito, por domicílio? Não é fácil a resposta, até porque o conceito técnico de domicílio, compreendido como a “residência habitual” (artigo 80.º do Código Civil), é aqui imprestável, por demasiado restritivo, atentos o sentido e a função da tutela constitucional. Seguro é apenas que, no âmbito do artigo 34.º da CRP, o conceito vem dotado de maior amplitude, abarcando, sem margem para dúvidas, qualquer local de habitação, seja ela principal, secundária, ocasional, em ed- ifício ou em instalações móveis. Mas já não é consensual a extensão da protecção ao domicílio profissional (em sen- tido afirmativo, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição Portuguesa anotada , I, 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 540; contra, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal , Lisboa, 2007, pp. 478-479). Mas, quando se extravasa da esfera domiciliária das pessoas físicas, entrando no campo de actividade das pes- soas colectivas, afigura-se que saímos também para fora do âmbito normativo de protecção da norma constitucio- nal, pois decai a sua razão de ser. Como expressam os primeiros Autores a que fizemos referência ( ob. cit. , p. 541): «Já quanto às pessoas colectivas, a protecção que é devida às respectivas instalações (designadamente quanto à respectiva sede) contra devassas externas não decorre directamente da protecção do domicílio, de cuja justificação não compartilha, como se viu acima, mas sim do âmbito de protecção do direito de propriedade e de outros direi- tos que possam ser afectados, como a liberdade de empresa, no caso das empresas (…).» Essa conclusão decorre do substrato e das conexões valorativas do direito à inviolabilidade do domicílio, «ainda um direito à liberdade da pessoa pois está relacionado, tal como o direito à inviolabilidade de correspondência, com o direito à inviolabilidade pessoal, (esfera privada espacial, previsto no artigo 26.º), considerando-se o domicílio como projecção espacial da pessoa (…)». O bem protegido com a inviolabilidade do domicílio e o étimo de valor que lhe vai associado têm a ver com a subtracção aos olhares e ao acesso dos outros da esfera espacial onde se desenrola a vivência doméstica e familiar da pessoa, onde ela, no recato de um espaço vedado a estranhos, pode exprimir livremente o seu mais autêntico modo de ser e de agir. Dando conta desta identificação do domínio protegido com a esfera da intimidade do ente humano, afirmou- -se no Acórdão n.º 67/97: «Parece incontroverso que o conceito constitucional de domicílio deve ser dimensionado e moldado a partir da observância do respeito pela dignidade da pessoa humana, na sua vertente de reserva da intimidade da vida familiar – como tal conjugado com o disposto no n.º 1 do artigo 26.º da CRP – assim acautelando um núcleo íntimo onde ninguém deverá penetrar sem consentimento do próprio titular do direito.» Não se ignora que, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º da CRP, as pessoas colectivas podem ser titulares de direitos fundamentais, desde que compatíveis com a sua natureza. E não custa reconhecer que o direito à privaci- dade não é incompatível, em absoluto, com a natureza própria das pessoas colectivas, pelo que a titularidade desse direito não lhes pode, a priori, e em todas dimensões, ser negada.

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