TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

539 ACÓRDÃO N.º 166/10 Idênticos valores justificam que, no presente caso, se considere não arbitrário que, para a sustação da execução fiscal, o legislador tenha considerado insuficiente a mera apresentação por um qualquer credor de requerimento de processo de recuperação de empresa ou de declaração de falência, exigindo, para que tal sustação tenha lugar, uma intervenção judicial no sentido do prosseguimento daquele processo ou do decretamento da falência. No sentido da razoabilidade da solução legislativa em causa ainda se poderá invocar a diferença de consistência das diversas categorias de crédito em causa: enquanto nos processos comuns (de execução e de falência), os créditos dos credores comuns ainda demandam, em regra, uma actividade de reconhecimento judicial ou da assembleia de credores, já os créditos do Estado, advindos de impostos ou de contribuições para a Segurança Social, têm‑se, à partida, por definitivos, certos e exigíveis com o acto de liquidação, que tem a natureza de um título formal, de fonte legal, de reconhecimento da existência dos créditos, sem prejuízo, obviamente, de superveniência de anulação judicial perante impugnação da liquidação. Sendo assim, compreende‑se que, quando estejam em causa créditos dependentes de reconhecimento, a sustação da execução apenas ocorra após prolação de despacho judicial de prosseguimento da acção de recuperação da empresa ou de decretação da falência. Não ocorre, pois, a alegada violação das normas e princípios constitucionais invocados pela recorrente. Também a dispensa, em processo de execução fiscal, ao contrário do que sucede em processo de execução comum, de audição prévia do credor reclamante com garantia real não é materialmente infundada, irrazoável ou arbitrária, ficando a satisfação do crédito do credor reclamante com garantia real dependente de factores aleatórios, como seja o de ser um particular ou a Fazenda Pública a promover a execução. E não o é, desde logo, pelo simples facto de que, em execução fiscal, quem conduz o processo é a Fazenda Pública, a quem a lei reconhece competência para avaliação patrimonial com base em critérios legalmente determinados. Ao contrário do que sucede em processo de execução comum, que corre os seus termos num tribunal e é conduzido por um solicitador de execução nomeado pelo tribunal, e em que, portanto, a contri- buição de terceiros, designadamente, de credores reclamantes com garantia real, pode revelar-se de extrema utilidade para efeitos de avaliação do bem objecto de venda, o processo de execução fiscal corre na repartição de finanças do executado, sendo o valor base para venda, tratando-se de imóveis, inscritos ou omissos na matriz, fixado pelo órgão da execução fiscal, podendo a fixação ser precedida de parecer técnico do presidente da comissão de avaliação ou de um perito avaliador designado nos termos da lei [tal é, nos termos da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 250.º do CPPT, o regime vigente à data da execução fiscal em causa e anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de Dezembro]. Tudo isto permite concluir que não seja desrazoável, ou arbitrário , presumir a capacidade técnica ou a idoneidade da Administração Fiscal para proceder ela própria à avaliação de um bem, tanto mais que se lhe reconhece essa competência para efeitos de cálculo do imposto devido pelo contribuinte (pelo menos nas situações em que o valor do imposto está directamente relacionado com o valor do bem sobre que incide o imposto). Nestes termos, não tem razão o recorrente, quando entende que a inconstitucionalidade do regime sob juízo se funda, desde logo, na violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP. Resta saber se o juízo de inconstitucionalidade se não poderá fundar na lesão de outras normas ou princípios constitucionais. 11. O Tribunal tem sempre dito, em jurisprudência firme, que o direito de propriedade a que se refere o artigo 62.º da Constituição «não abrange apenas a proprietas rerum, os direitos reais menores, a propriedade intelectual e a propriedade industrial, mas também outros direitos que normalmente não são incluídos sob a designação de “propriedade”, tais como, designadamente, os direitos de crédito e os “direi- tos sociais”.» (Vejam-se, entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 491/02, 273/04 e 620/04, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Significa isto que, não havendo coincidência entre o conceito constitucional de propriedade e o cor- respondente conceito civilístico, e incluindo-se no âmbito de protecção da norma contida no n.º 1 do artigo 62.º da CRP situações patrimoniais outras que não apenas as respeitantes à propriedade das coisas e

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