TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
535 ACÓRDÃO N.º 166/10 No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade o recorrente alega que a norma viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), pois entende não ser aceitável que, num Estado de direito, o legislador consagre, expressamente, a protecção dos direitos dos credores reclamantes providos de garantia real para aplicação na jurisdição comum e omita esses mesmos direitos no âmbito de uma execução fiscal. A esse fundamento, vem o recorrente, nas alegações apresentadas, acrescentar o da violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2), do princípio do acesso à justiça (artigo 20.º, n.º 4) e do direito de propriedade privada (artigo 62.º, n.º 1), assim pretendendo reforçar o entendimento de que, mesmo considerando-se as características particulares da execução fiscal, ainda assim não se justifica que aí seja dispensada a audição prévia dos credores reclamantes providos de garantia real para efeitos de escolha da modalidade de venda e de fixação do preço base. 4. Relativamente ao princípio da igualdade, afirma o recorrente que a opção do legislador de não consagrar, expressamente, para o processo de execução fiscal, a solução do processo de execução comum, se apresenta in casu , e numa perspectiva jurídico-constitucional, intolerável ou inadmissível, por se não poder encontrar para ela fundamento material bastante. A diferença entre o regime da execução fiscal e o regime da execução comum não é materialmente sustentada em critérios objectivos, constitucionalmente relevantes, e que permitam tratar de forma desigual a tramitação da execução fiscal, sendo para tanto insuficiente a justifi- cação assente na necessidade de celeridade da execução fiscal e no interesse público da cobrança de impostos. Além disso, diz, é violado o princípio da igualdade porque, quando detém a posição processual de credor reclamante em execução comum e na liquidação do activo em processo de insolvência, a Fazenda Nacional é sempre ouvida enquanto credor com garantia sobre os bens a vender nesses processos. 5. No que respeita ao princípio da proporcionalidade, o recorrente reconhece que a execução fiscal, dado o seu fim de arrecadação coerciva de dívidas ao Estado ou entidades equiparadas, tende a caracterizar- -sepor uma pretendida celeridade, o que revela ter este princípio geral uma notável premência nessa forma de processo. Simplesmente, considera que não existe qualquer justificação para aí dispensar a audição prévia dos credores reclamantes providos de garantia real. São três os argumentos utilizados. Em primeiro lugar, o recorrente considera que o argumento da celeridade prova demais, na medida em que também na execução comum é relevante a celeridade, sendo que aí não é legítimo que a Fazenda Nacional deixe de ser ouvida quando reclama os seus créditos em execução pendente no tribunal comum. Além disso, afirma que não se vislumbra de que modo é que a audição dos credores vai atrasar a execução fiscal, sendo certo que basta uma notificação aos credores reclamantes feita nos termos previstos no CPPT (o que vale por dizer que na grande maioria das situações se trata de notificações feitas aos mandatários forenses dos referidos credores). Por último, entende o recorrente não valer o argumento segundo o qual o fim da execução fiscal é o de garantir a não preterição dos créditos do Estado, porque os credores reclamantes com garantia real têm em muitas e variadas situações direito a serem pagos, prioritariamente, aos créditos do Estado. 6. Relativamente ao direito de propriedade privada consagrado no n.º 1 do artigo 62.º da CRP, entende o recorrente que o mesmo se estende ao direito do credor à satisfação do seu crédito e que tal direito é violado pela dispensa de audição prévia. O facto de o credor com garantia real poder ser confrontado com uma modalidade de venda e preço que desconhecia e que por esse facto é colocado na situação de credor preterido por uma decisão arbitrária de um agente administrativo é, desde logo, razão bastante para considerar infun- dado, ilegítimo e inconstitucional o regime do CPPT em relação ao CPC. Porque assim se coloca o credor provido de garantia real na situação de ver total ou parcialmente frustrada a possibilidade de satisfação do seu crédito sobre o seu devedor que até lhe prestou uma garantia, a dispensa de audição prévia é excessiva, abrindo a porta a tudo quanto é possível imaginar no seio do mercado imobiliário, incluindo a venda dos bens por menos de metade do seu valor de mercado (como terá ocorrido no caso dos autos).
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