TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
528 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Uma conclusão que não pode deixar de valer de forma acrescida num sistema onde a protecção preventiva de determinadas posições alegadamente carecidas de tutela, designadamente através da imposição de medidas de coacção, não pode deixar de ser efectuada tão só pela intervenção do Ministério Público, uma vez que a ele é limitada a possibilidade de projectar no interior do processo tais posições (por exemplo, e em particular, a da vítima de condutas indiciariamente constitutivas de infracções penais). Num sistema assim concebido, a concepção estrutural que vê no Ministério Público uma parte do aparelho estadual, que portanto não poderia exercer direitos contra este último, há-de ceder a uma visão que, atendendo à circunstância de a ele estar confiada em exclusivo aquela projecção, não pode deixar de, para a proteger e fazer valer, o destacar daquele. O que nos conduz directamente ao resultado oposto ao do acórdão. Os padrões valorativos que inspi- ram o artigo 20.º da Constituição, eles próprios expressão de uma exigência geral de realização e preservação do princípio do Estado de direito, não podem deixar de ser convocados pura e simplesmente por estar em causa uma posição processual do Ministério Público. Decisivo para a convocação dos princípios a que aquele preceito dá expressão não é o estatuto subjectivo daquele que os faz valer, mas a densidade das posições que acedem ao direito, no processo penal, através da intervenção do Ministério Público. 4. Assente a invocabilidade, no presente caso, do artigo 20.º da Constituição na medida em que a ele há que reconduzir os princípios estruturantes do processo num Estado de direito, importa ainda repudiar, por unilateral e redutora, a concepção do princípio da legalidade que, em matéria de medidas de coacção, apenas o constrói em função de um dos sentidos possíveis da decisão em causa. Num Estado de direito democrático, a legalidade das medidas de coacção, como de quaisquer outras, há-de aferir-se pelo respeito dos pressupostos legais de que o ordenamento faz depender a sua mobilização em ordem à protecção dos valores e situações jurídicas a cuja tutela se destinam. Os princípios que fundam a recorribilidade de medidas ou decisões contrárias à lei ou nela não previstas não podem excluir a recorribi- lidade de decisões que, em objectiva violação da lei, recusem a aplicação de medidas de coacção. Não existe qualquer princípio constitucional que funde o recurso das decisões que recaiam sobre a promoção de tais medidas no exclusivo interesse dos que delas são destinatários. A mesma concepção unilateral e reducionista é perfilhada pelo acórdão quando parece recusar a aplicaçãoao processo de aplicação de medidas de coacção vigente entre nós do leit-motiv do processo equi- tativo [explicitado no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)] e dos corolários que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) dele tem retirado. Que uma determinada conceptualização mecânica de igualdade dos sujeitos processuais não seja prestável face ao nosso modelo processual penal, como a jurisprudência deste tribunal o tem considerado, não im- plica a ininvocabilidade da ideia mestra do processo equitativo de que o princípio da igualdade de armas constitui uma das expressões. E daquela parece resultar que, num sistema em que determinadas decisões são recorríveis, não é constitucionalmente admissível, face à estruturação do processo num Estado de direito, que o direito ao recurso seja regulado a partir do resultado das decisões que dele são objecto, admitindo-se a formação automática de caso julgado apenas por dele beneficiar um determinado sujeito, ainda que esse sujeito seja o arguido. 5. Considerando agora o parâmetro da defesa da legalidade democrática, que o artigo 219.º, n.º 1, da Constituição põe a cargo do Ministério Público, não divergirmos do acórdão quando afirma que em tal função se inclui a faculdade de recorrer, já que o recurso é essencial ao controlo das decisões judiciais num Estado de direito, pelo que as normas que retiram a legitimidade ao Ministério Público para recorrer devem
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=