TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
527 ACÓRDÃO N.º 160/10 aplique medidas de coacção, não violam os princípios constitucionais do acesso ao direito por parte do Ministério Público, da legalidade do processo penal e da igualdade, bem como a função constitucional do Ministério Público de defensor da legalidade democrática. III — Decisão Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso. Sem custas. Lisboa, 27 de Abril de 2010. – Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos (vencido, nos termos da declaração de voto junta). DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Discordei da presente decisão, dos fundamentos em que assenta e da interpretação que nela é veicu- lada da jurisprudência deste Tribunal. Cumpre agora enunciar brevemente as razões da minha dissidência. 2. Está em causa a norma extraída da aplicação conjugada dos n.ºs . 1 e 3 do artigo 219.º do Código de Processo Penal na medida em que não admite a interposição de recurso por parte do Ministério Público da decisão que não aplique medidas de coacção. 3. Confrontado com a alegação, por parte do requerente, da desconformidade da solução normativa em análise com o direito fundamental de acesso à justiça e aos tribunais, o Acórdão considera ininvocável este parâmetro “para defender a admissão de recursos interpostos pelo Ministério Público (…) dos quais possa a vir a resultar uma (…) decisão menos favorável ao arguido”. E escuda-se, para o efeito, na circunstância de, como se refere no Acórdão n.º 530/01, dever entender-se que “o exercício da acção penal pelo Estado (através do Ministério Público) não é protegido pelo direito fundamental de acesso aos tribunais previsto no artigo 20.º da Constituição”. Tal afirmação arranca da ideia de que este direito fundamental se ajusta “à tutela de posições subjectivadas, radicadas na esfera dos titulares de interesses particulares que, no quadro do ordenamento jurídico, reclamam do Estado reconhecimento e efectivação” (Acórdão n.º 538/07). É por se partir da ideia de que aquele direito se dirige “contra o Estado e os seus órgãos de administração da justiça” que se entende que, por estar “dentro do aparelho estadual que desempenha esta função, o Minis- tério Público não pode ser visto como titular activo de um direito exercitável, nesta dimensão, contra os órgãos do poder judicial com os quais colabora” (Acórdão n.º 538/07). Simplesmente, esta versão organicista ou estrutural não esgota toda a dimensão problemática que a questão encerra. O que é desde logo assimilado pela jurisprudência deste Tribunal, que reconheceu no artigo 20.º da Constituição uma “norma-princípio estruturante do Estado de direito democrático”. Nestes termos, “o acesso à justiça, corporizado, em matéria de recursos, na efectiva disponibilidade (…) de meios processuais indispensáveis ao adequado controlo da conformidade ao direito das decisões tomadas em juízo, é um valor tutelável em si mesmo (…). Por detrás do direito fundamental de acesso à justiça, está o mesmo princípio geral da realização do direito actuado pelos órgãos estaduais com competência nesta matéria. É em função da plena observância deste princípio e do valor que ele encerra que o Ministério Público tem o poder-dever de interpor re- curso, quando entende que uma decisão judicial não assegura a sua realização”(Acórdão n.º 538/07).
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