TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
525 ACÓRDÃO N.º 160/10 Processual Penal. O novo Código de Processo Penal , Almedina, 1988, p. 27; no sentido defendido, também Ana Luísa Pinto, “Aplicação de medidas de coacção e correspondente forma de reacção. Restrições ao exercício das funções do Ministério Público”, in O Direito , Ano 140.º (2008) IV, pp. 860 e segs. Diferentemente, Pinto de Albuquerque,C omentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem , Universidade Católica, 2009, comentário ao artigo 219.º, ponto 3., autor citado na reclamação do despacho de não admissão do recurso e nas alegações). O princípio segundo o qual a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente (em funçãode exigências processuais de natureza cautelar) pelas medidas de coacção previstas na lei (artigo 191.º, n.º 1, do CPP), constitucionalmente fundado no princípio da presunção de inocência do arguido e no direito à liberdade, exige que sejam recorríveis decisões que apliquem ou mantenham medidas de coacção não previstas na lei ou decisões que as substituam por outras não previstas na lei (neste sentido, cfr. “Decisão Sumária do Tribunal da Relação de Évora, de 24-09-2009”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal , 2009, p. 317). Não propriamente decisões que não apliquem qualquer medida de coacção. Caso em que o Minis- tério Público interporia o recurso sem ser no exclusivo interesse da defesa, à margem da garantia de defesa do arguido estabelecida na primeira parte do n.º 2 do artigo 32.º da CRP e do direito fundamental que lhe é reconhecido no artigo 27.º da CRP e dos quais decorre o princípio da legalidade (tipicidade) das medidas de coacção. Por outro lado, a norma em apreciação em nada contende com a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República em matéria de processo criminal [artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da CRP], uma vez que a redacção vigente do artigo 219.º do CPP foi introduzida por lei deste órgão de soberania– Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto. É de rejeitar, pois, o vício de inconstitucionalidade orgânica que o Ministério Público imputa à norma que é objecto do presente recurso. 4. O recorrente indica também o princípio da igualdade no requerimento de interposição de recurso. Contudo, nas alegações refere o artigo 13.º apenas quando as conclui ao indicar os artigos da CRP que consi dera violados. Nesta peça processual nada é alegado no sentido de a norma questionada violar o princípio da igualdade. Na apreciação do mérito do recurso, por remissão para alegações anteriormente produzidas, o Ministério Público sustenta a inconstitucionalidade da norma do artigo 219.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, por violação do estatuto constitucional desta magistratura (artigo 219.º da CRP), do acesso ao direito por parte do Ministério Público enquanto representante do Estado-comunidade (artigo 20.º, n.º 1, da CRP) e do princípio da legalidade [artigos 32.º e 165.º, n.º 1, alínea c) , da CRP]. A referência que é feita ao princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP) ocorre somente na transcrição de um comentário de Pinto de Albuquerque ao artigo 219.º do CPP, cuja perspectiva é expressamente tida por mais crítica (mais crítica, dizemos nós, por abranger também o princípio da igualdade). Apesar de se poder concluir pelo “abandono” do princípio constitucionalmente consagrado no artigo 13.º, sempre se dirá o seguinte: O princípio da igualdade que é invocável nos presentes autos só pode ser o princípio da igualdade de armas (entre acusação e defesa), que a doutrina e a jurisprudência foram retirando do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e que, entretanto, ganhou expressão no artigo 20.º, n.º 4, CRP, por via da densificação do princípio do processo equitativo (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , volume I, 2007, anotação ao artigo 20.º, ponto XI). Não faz propriamente sentido invocar o princípio da igualdade de armas entre a acusação e a defesa relativamente a uma conformação processual concreta – como é a subjacente aos presentes autos – em que o Ministério Público (a acusação) requer a aplicação de uma medida de coacção e o juiz decide sobre o reque rido no papel de “juiz das liberdades”. A esta conformação é estranha, logo à partida, uma qualquer ideia de armas processuais iguais perante um Tribunal (assim, Damião da Cunha, “Breves notas acerca do regime de impugnação de decisões sobre medidas de coacção. Comentário à decisão do Tribunal da Relação de Évora, de 24-09-2009”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal , 2009, pp. 320 e 325 e segs.).
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