TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
524 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 2. Face aos parâmetros que foram chamados para aferir da conformidade constitucional da norma que cumpre apreciar, importa afirmar, desde logo, que os artigos 32.º, n.º 1, enquanto garante o direito ao recurso, e 20.º, n.º 1, na medida em que consagra o direito de acesso ao direito, não são sequer invocáveis. Reiterando jurisprudência deste Tribunal (cfr. Acórdão n.º 530/01, disponível em www.tribunalcons titucional.pt ) , entende-se que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) inclui o recurso nas garantias de defesa do arguido, pelo que é invocável, relativamente a recurso interposto pelo Ministério Público, apenas quando este seja interposto no exclusivo interesse da defesa [artigo 53.º, n.º 2, alínea d) , do CPP]. Já não é, pois, invocável quando esteja em causa um recurso interposto pelo Ministério Público do qual possa vir a resultar uma decisão menos favorável para o arguido. Entende-se também que: «(…) não se pode invocar o direito fundamental que é o “direito de acesso à justiça e aos tribunais” para defen der a admissão de recursos interpostos pelo Ministério Público no exercício da acção penal, ou, pelo menos, dos quais pode vir a resultar uma decisão menos favorável ao arguido. Pode, desde logo, questionar-se se o direito de acesso à justiça e aos tribunais, como direito fundamental dirigido contra o Estado, não deverá ser considerado um direito que apenas sujeitos privados, e não o próprio Estado – designadamente, entidades nas quais se encabeça o ius puniendi estatal (como é o caso do Ministério Público) – podem invocar. Seja, porém, como for quanto a esta questão em geral, deve entender-se que o exercício da acção penal pelo Estado (através do Ministério Público) não é protegido pelo direito fundamental de acesso aos tribunais, previsto no artigo 20.º da Constituição. É o que, se não logo de outros argumentos – como a previsão do Ministério Público dentro do título V da parte III da Constituição, dedicado aos “Tribunais”, a consagração da competência para exercício da acção nesse mesmo contexto, ou o próprio sentido histórico e a função primordial dos direitos fundamentais como “direitos de protecção” contra o Estado, e não direitos reconhecidos a este ou aos seus órgãos –, resulta da própria letra do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, no qual se assegura o “acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses e interesses legalmente protegidos”, e não para o exercício da acção penal. É certo que, por outro lado, que o artigo 219.º comete ao Ministério Público determinadas funções: “repre sentar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática”. E não pode excluir-se que soluções normativas das quais resulte uma limitação no acesso aos tribunais – eventualmente apenas por preverem critérios restritivos para admissão de recursos interpostos pelo Ministério Público – configurem ou impliquem uma compressão inadmissível dessas funções constitucionalmente previstas, devendo, portanto, tais soluções ser consideradas inconstitucionais por violação de disposições da Lei Fundamental relativas às funções e competência do Ministério Público enquanto instituição, previstas na respectiva divisão (parte III, título V, capítulo IV). Não se tratará, ainda nesse caso, porém, de inconstitucionalidade por lesão de um alegado direito fundamental do Ministério Público». 3. Segundo o recorrente a norma em apreciação viola o princípio da legalidade do processo penal, con- tido nos artigos 32.º e 165.º, n.º 1, alínea c) , da CRP, do qual decorreria o princípio da legalidade das medi das de coacção, estabelecido no artigo 191.º, n.º 1, do CPP (cfr. reclamação do despacho de não admissão do recurso, pp. 136 e segs., e alegações, supra ponto 5. do Relatório). Sobre isto, há que dizer, em primeiro lugar, que o princípio da legalidade das medidas de coacção justifica-se por apelo ao princípio da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, primeira parte, da CRP, e face à reserva de lei restritiva do direito à liberdade que a todos é reconhecido, decorrente dos artigos 27.º, n.º 1, e 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP (sobre o reflexo deste princípio no estatuto processual do arguido enquanto objecto de medidas de coacção, Figueiredo Dias, “Sobre os sujeitos processuais no novo Código de Processo Penal”, in Jornadas de Direito
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=