TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
522 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O retirar ao Ministério Público a possibilidade de recorrer em prejuízo do arguido, em sede de medidas coactivas aplicadas em processo penal, colide com o seu estatuto constitucionalmente consagrado, violando ainda, e designada- mente, princípios da Lei Fundamental como são o caso dos princípios da legalidade, do acesso ao direito e do Estado de direito democrático. O Ministério Público é concebido como uma magistratura autónoma (artigo 219.º, n.º 2, da Constituição), sendo o dominus do inquérito na primeira das fases preliminares do processo penal e actuando sempre na pendên- cia deste (seja no inquérito, na instrução, no julgamento ou na fase do recurso) como um sujeito isento e objectivo – cfr., entre outros, os Acórdãos n.º s 610/96 e 216/99 do Tribunal Constitucional. Compete-lhe nos termos do n.º 1 do citado artigo 219.º da Constituição e titularidade do exercício da acção penal orientada pelo princípio da legalidade e da defesa de legalidade democrática. As medidas de coacção só podem ser aplicadas no âmbito de um concreto processo penal instaurado contra um determinado arguido já constituído como tal, estando sujeitas a um princípio da legalidade nos termos do artigo 191.º do Código de Processo Penal, que surge como uma das concretizações na legislação ordinária do princípio constitucional de legalidade do processo penal, que se extrai do artigo 32.º conjugado com o artigo 165.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição. Ao assinalado recorte constitucional do Ministério Público actuando, para o que agora nos interesse no pro- cesso penal, não pode escapar o controlo da legalidade da medida de coacção concretamente aplicada, como ocor- reu no caso que é objecto de recurso. Uma das formas de exercer esse controlo não pode deixar de ser o recurso, sempre que entenda que em função das exigências processuais de natureza cautelar (artigo 191.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 27.º, n.º 3, da Constituição) que cumpra observar, não foi judicialmente aplicada a adequada e correspondente medida de coacção que ao caso cabia. Reputamos pertinente e perfeitamente adaptável ao objecto do presente recurso citar, ainda que parcialmente, o teor da declaração de voto da Sr.ª. Conselheira Fernanda Palma, vencida no Acórdão n.º 530/01 do Tribunal Constitucional quando referiu: “(…) Com efeito, o Ministério Público, no exercício das suas funções de titular do exercício da acção penal e de defensor da legalidade democrática (artigo 219.º da Constituição) tem o poder e o dever de recorrer sempre que, em face dos critérios legais, o considerar necessário. O recurso é essencial ao controlo das decisões judiciais num Estado de direito e quaisquer restrições injustificadas afectam essa importantíssima função de controlo da correcta fundamentação das sentenças bem como a inerente preservação da legalidade democrática; (…). “(…) finalmente, não me parece aceitável que restrições da possibilidade de recorrer desta ordem (em que são as condições lógicas da fundamentação do recurso que são postas em causa) não sejam toleráveis na perspectiva das garantias de defesa - que aqui não estarão em causa - e já o sejam para um sentido colectivo de realização da justiça que cabe ao Ministério Público prosseguir. Também no caso em apreço e pela mesma ordem de razões o vedar a possibilidade de recurso por parte do Ministério Público, contende com o seu estatuto (artigo 219.º da Constituição) com o Estado de direito (artigo 2.º da Constituição), com o acesso ao direito por parte do Ministério Público enquanto representante do Estado – comunidade (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição) e com o princípio da legalidade [artigos 32.º e 165.º, n.º 1, alínea c) , da Constituição]. Numa perspectiva ainda mais critica à solução preconizada pelo artigo 219.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, cite-se a propósito parte da anotação de Paulo Pinto de Albuquerque no Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem , pp. 580 e 581: “A proibição do Ministério Público interpor recurso da decisão que modifique, não aplique, revogue ou declare extinta medida de coação, ou interpor recurso em prejuízo do arguido de decisão que aplique, man- tenha ou substitua medida de coacção ou de decisão que aplique medida menos gravosa do que a proposta pelo
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=