TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
520 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I — Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele tribunal de 7 de Agosto de 2009. 2. O Ministério Público deduziu acusação contra A. e requereu a aplicação da medida de coacção “obrigação de apresentação periódica”. Por despacho de 28 de Abril de 2009, o juiz de instrução indeferiu o requerido. O Ministério Público recorreu deste despacho para o Tribunal da Relação de Coimbra, mas o recurso não foi admitido por despacho de 15 de Junho de 2009. O Ministério Público reclamou então para o presidente daquele tribunal. 3. Em 7 de Agosto de 2009, foi proferida decisão de indeferimento da reclamação, por “inadmissibi lidade do recurso”, com os seguintes fundamentos: «Pese embora o direito ao recurso, considerado em abstracto, faça parte do rol dos direitos constitucionais de defesa no âmbito do direito criminal [artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP)], o legis- lador estabeleceu a irrecorribilidade de determinadas decisões, sendo certo que apesar disso consideramos que não foram descuidados os direitos do arguido e muito menos foi violado o princípio da legalidade e da igualdade bem como a função constitucional do Ministério Público de defensor da legalidade democrática. Senão vejamos: O princípio da legalidade implica não só um dever para os agentes da sua aplicação, como igualmente, e é o que está ora em causa, para o legislador no sentido de se abster de criar formas processuais ad hoc , extrínsecas à estrutura do Código (…). Terá o legislador criado normas ou formas processuais desenquadradas da estrutura processual penal vigente ou em manifesto desrespeito pelos direitos dos intervenientes processuais? Parece-nos que não. Na verdade a regra de irrecorribilidade das decisões judiciais tem, face ao artigo 399.º do Código de Processo Penal (CPP), natureza claramente excepcional, não sendo assim passível de aplicação analógica. Por outro lado «a Constituição da República não estabelece em nenhuma das suas normas a garantia de existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos das diferentes espécies. E certo que a Constituição garante a todos “o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos” (artigo 20.º, n.º 1) e, em matéria penal, afirma que “o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa” (artigo 32.º, n.º 1). Destas normas, porém, não retira a jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra de que há-de ser assegurado o duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em processo penal. (...) A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto às decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à priva- ção ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais. Sendo embora a faculdade de recorrer em processo penal uma tradução da expressão do direito de defesa, a verdade é que, como se escreveu no Acórdão n.º 31/87 do mesmo tribunal, “se há-de admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo (...).”» (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 265/94). (…) No caso em apreço o Ministério Público (MP) entende que o recurso deve ser admitido por a norma que se extrai do artigo 219.º, n.ºs 1 e 3, do CPP, padecer de inconstitucionalidade, suportando a sua tese em vir- tude deste normativo violar o princípio da legalidade das medidas de coacção (artigo 191.º, n.º 1 do CPP) que é uma decorrência do princípio constitucional da legalidade do processo penal [artigo 32.º, conjugado com o
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