TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
516 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III — Decisão Nestes termos decide-se: a) Não julgar inconstitucional o artigo 9.º da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, na dimensão em que proíbe a aplicação aos processos pendentes, do disposto nos artigos 1906.º e 1907.º, por remis são do artigo 1912.º, n.º 1, todos do Código Civil, na redacção daquela Lei. b) E, consequentemente, julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, determi nando-se a reforma da decisão recorrida, em conformidade com o presente julgamento. Sem custas. Lisboa, 14 de Abril de 2010. – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração anexa) – Rui Manuel Moura Ramos . DECLARAÇÃO DE VOTO Votei vencido por não poder acompanhar a tese que fez vencimento. Dispondo as normas em causa directamente sobre o conteúdo das relações jurídicas parentais é evidente que as mesmas seriam imediatamente aplicáveis às relações pendentes de regulação judicial, de acordo com o princípio afirmado na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil. Tal solução foi afastada pelo legislador ordinário através da norma impugnada do artigo 9.º da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, ao prescrever que “o presente regime não se aplica aos processos pendentes”. Ou seja, contemplou uma eficácia ultra-activa da lei antiga. Mas, no nosso entendimento, tal disposição padece, no que às relações jurídicas estão em causa nos autos, de inconstitucionalidade material. Não que não entendamos que o legislador ordinário não possa dentro da sua competência de autorevisibi lidadee discricionariedade normativo-constitutiva prever a ultra-actividade da lei ou até a sua retroactividade ou retrospectividade. As disposições de direito transitório não são, porém, normas sem sentido prescritivo: elas correspondem a normas que carregam em si o sentido das normas a que se referem, embora para valerem apenas quando se verificarem certas circunstâncias. Daí que a sua conformação esteja sujeita aos mesmos parâmetros constitucionais das outras normas, tendo de específico, apenas, o facto de traduzirem uma opção normativa afirmada pelo legislador para valer a título transitório. A regulação judicial das relações parentais corresponde a um modo de o Estado satisfazer o direito fundamental das crianças à protecção do Estado e da sociedade consagrado no artigo 69.º, n.º 1, da Consti- tuição. A protecção da criança é um valor constitucional cuja operatividade existe em cada momento da vida da criança, mas que, quando demande a realização de prestações jurídicas de regulação das relações parentais por parte do Estado, é o momento da decisão judicial que o torna actual ou presente e susceptível de concreta pacificação. Deste modo, tendo o direito fundamental consagrado no artigo 69.º, n.º 1, da Constituição o mesmo conteúdo não pode o legislador discriminar em função do tempo em que se inicie o processo, sob pena de violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, n.º 1, daquela Lei Fundamental.
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