TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010
515 ACÓRDÃO N.º 153/10 as expectativas que as partes poderiam ter na aplicação da lei vigente no momento em que foi requerida ao tribunal a sua intervenção. Desta norma de conflitos específica resulta que o exercício do poder paternal, relativo aos filhos de pes- soas não unidas pelo matrimónio, nem vivendo em união de facto, nos processos entrados em juízo antes de 30 de Novembro de 2008, é regulado segundo o regime previsto para estas situações no Código Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro, enquanto nos processos entrados posteriormente a esta data, já o exercício do poder paternal é regulado segundo o novo regime do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro. Apresentando estes dois regimes significativas diferenças, como acima vimos, verifica-se um tratamento jurídico diferenciado para o poder paternal que seja judicialmente regulado já após a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, nos processos iniciados anteriormente ao início da vigência deste diploma legal (30 de Novembro de 2008) e nos processos iniciados em data posterior. Esta diferença tem como fundamento perceptível e inteligível a salvaguarda das expectativas das partes na aplicação da lei vigente no momento em que foi requerida ao tribunal a sua intervenção, as quais poderão ter determinado a estratégia da sua intervenção processual. O legislador atendeu a que as partes poderão ter norteado o exercício dos seus direitos processuais, tendo em vista o conteúdo do direito substantivo então vigente, pelo que não deveriam ser surpreendidas por uma alteração desse quadro legal, relativamente ao qual a estratégia processual por elas seguida se poderia revelar inadequada. A relevância destas expectativas no domínio da intervenção judicial na definição do conteúdo das relações familiares não é nenhuma novidade legislativa, tendo, por exemplo, igual disposição transitória sido adoptada pelo próprio Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro (artigo 177.º), que havia introduzido o regime agora alterado. Independentemente de sabermos se a protecção destas expectativas é exigida pelo princípio constitu cional da segurança jurídica e da confiança, ou mesmo sem apreciarmos a sua bondade, pode dizer-se que ela não deixa de ser um fundamento legítimo e razoável para o critério normativo escolhido. Por isso, não é possível dizer que a diferenciação resultante da norma contida no artigo 9.º da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, se revela arbitrária, uma vez que não se verifica que da escolha do critério de aplicação da lei no tempo feita pelo legislador resultem diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos perceptíveis, inteligíveis e razoáveis, tendo em conta a finalidade que, com a diferença estabelecida, se visou almejar. Ora, como ensinam J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, p. 399, 4.ª edição, Coimbra Editora), no apuramento das violações ao princípio da igual- dade, na vertente da proibição do arbítrio, importa ter presente que: «(...) a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de con- formação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionariedade legislativa” são violados, isto é, quando, a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma “infracção” do princípio do arbítrio.» Tendo sido apurado um suporte material bastante para o tratamento desigual apontado pela decisão recorrida, não se pode considerar que o disposto no artigo 9.º da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, na dimensão recusada, viole o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da CRP, pelo que a falta de confirmação do juízo de inconstitucionalidade formulado pelo tribunal recorrido conduz à procedência do recurso interposto pelo Ministério Público.
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