TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 77.º Volume \ 2010

514 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL que essas responsabilidades sejam exercidas por apenas um dos progenitores (artigo 1906.º, n.ºs 1 e 2, do CódigoCivil). A nova Lei inclui uma norma que regula especificamente a sua aplicação no tempo, determinando que a mesma não se aplica aos processos pendentes, o que abrange as acções de regulação do poder paternal já propostas, como sucede com o presente processo. A decisão recorrida recusou a aplicação desta norma por entender que a mesma violava o princípio constitucional da igualdade, ao “introduzir um tratamento discriminatório, desigual e injustificado dos progenitores em função da simples propositura da acção e conduz ao absurdo do conteúdo dos poderes- -deveres dos progenitores poder divergir tão só por causa daquele critério temporal”. É necessário começar por dizer que a mera sucessão de leis no tempo, em matéria de direitos familiares, não afecta, só por si, o princípio da igualdade. Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que realidades substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal. Visando as alterações legislativas conferir um tratamento diferente a determinada matéria, a criação de situações de desigualdade, resultantes da aplicação do quadro legal revogado e do novo regime, é inerente à liberdade do legislador do Estado de direito alterar as leis em vigor, no cumprimento do seu mandato democrático. Daí que, conforme tem referido o Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade não opere diacroni- camente ( v. g. Acórdãos n.º 34/86, em Acórdãos do Tribunal Constitucional , 7.º Vol., p. 42, n.º 43/88, em Acórdãos do Tribunal Constitucional , 11.º Vol., p. 565, n.º 309/93, em Acórdãos do Tribunal Constitucional , 24.º Vol., p. 185, n.º 188/09, no Diário da República, II.ª Série, de 18 de Maio de 2009, e n.º 3/10, no Diário da República, I.ª Série, de 2 de Fevereiro de 2010). São as normas de conflitos que, numa situação de sucessão de leis, determinam qual o âmbito de apli- cação no tempo da nova lei, existindo normas gerais que fixam os princípios que fornecem ao julgador um critério permanente de solução dos conflitos ( v. g. o artigo 12.º do Código Civil), e normas específicas, esta­ belecendo a solução de um conflito particular surgido a propósito duma alteração legislativa determinada, normalmente inseridas na própria lei nova, como sucede relativamente à norma aqui sob fiscalização. Na determinação do conteúdo destas normas é reconhecida ao legislador uma apreciável margem de liberdade quanto ao estabelecimento do marco temporal relevante para aplicação do novo e do velho regime legal. Contudo, o critério escolhido terá que respeitar não só o princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, de modo a não violar direitos adquiridos ou frustrar expectativas legítimas, sem fundamento bastante, assim como também não poderá resultar na criação de desigualdades arbitrárias na aplicação da nova lei, após ela ter entrado em vigor. Quando se diz que o princípio da igualdade não opera diacronicamente, apenas se abrange as desigual- dades resultantes de aplicação de diferentes regimes legais durante a sua respectiva vigência, mas já não quando, após a entrada em vigor duma lei, o legislador restringe a sua aplicação a determinadas situações, mantendo a aplicação da lei antiga, relativamente a outras, sem que se vislumbre fundamento razoável para essa distinção. Neste último caso, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, imporá um juízo de censura constitucional sobre essa opção. Segundo os princípios gerais estabelecidos no artigo 12.º do Código Civil, nomeadamente o que consta do n.º 2, in fine , as leis que regulam o exercício do poder paternal deveriam ter uma aplicação imediata às relações de filiação já existentes (vide, neste sentido, Baptista Machado, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil , Almedina, 1968). Contudo, no presente caso, o legislador determinou que as alterações introduzidas pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, não se aplicariam aos processos pendentes no momento da sua entrada em vigor, impedindo que elas regulassem as situações cuja solução já havia sido solicitada aos tribunais, salvaguardando, desse modo,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=